Rodrigo Zani
A Galinha Pintadinha e a nova fronteira da paranoia bolsonarista
Reprodução A deputada federal Júlia Zanatta (PL-SC) tem se destacado não pela qualidade de sua atuação parlamentar, mas pela capacidade singular de transformar o debate público em um palco de espetáculo grotesco. Sempre adornada com uma coroa de flores na cabeça, Zanatta se consolidou como uma das figuras mais performáticas e radicais da extrema direita brasileira — um produto puro do bolsonarismo digital.
Não há registros expressivos de sua produção legislativa: poucos projetos relevantes, nenhuma grande contribuição para o país. No entanto, seu nome permanece em alta nos algoritmos das redes sociais e nas manchetes de portais. O motivo não é a política pública, mas o marketing do absurdo — o uso calculado de polêmicas para gerar engajamento e reafirmar identidades políticas.
Recentemente, a deputada voltou aos holofotes por protagonizar uma cena que beira o cômico, mas revela algo muito mais preocupante: ao lado do marido, gravou um vídeo em que acusa a personagem infantil Galinha Pintadinha de ser uma “camarada comunista”. Segundo o casal, o desenho representaria uma ameaça ideológica às crianças brasileiras, defendendo o “comunismo” e — pasmem — a “ideologia de gênero”.
Seria risível, se não viesse de uma parlamentar eleita e sustentada com recursos públicos. O episódio ecoa a mesma lógica que gerou pérolas anteriores do bolsonarismo, como as infames “mamadeiras de piroca” e o “kit gay”. Teorias conspiratórias que parecem delírios individuais, mas são, na verdade, ferramentas políticas deliberadas.
Zanatta não é ingênua. Assim como outros expoentes da extrema direita, ela compreende perfeitamente o jogo da atenção digital. Em tempos de redes sociais que premiam o engajamento acima da verdade, quanto mais absurda a fala, maior o alcance. É uma tática eleitoral, comunicacional e até econômica: o escândalo como modelo de negócio político.
A questão central não é a Galinha Pintadinha, mas o que ela simboliza. Ao transformar um símbolo infantil em inimigo ideológico, o bolsonarismo dá mais um passo no processo de destruição do debate racional no Brasil. Substitui-se a política por memes, e a responsabilidade pública por performance. Enquanto isso, milhões de crianças brasileiras continuam sem acesso à educação de qualidade, à alimentação básica e à segurança.
O papel de um parlamentar é legislar, fiscalizar e propor soluções concretas para os grandes desafios nacionais — e não fabricar inimigos imaginários. O país precisa de representantes comprometidos com o interesse público, não de criadores de teorias conspiratórias travestidas de patriotismo.
O episódio da “Galinha Pintadinha comunista” é mais do que uma anedota: é o retrato de um tempo em que a desinformação virou estratégia política. O Brasil já pagou caro por essa brincadeira. E, se não recuperar o senso de responsabilidade e seriedade na vida pública, continuará sendo refém do entretenimento do caos.