Tarifaço de Trump acelera invasão de importados chineses no Natal brasileiro
Reprodução Quem busca presentes de Natal na internet encontra um cenário repetido em diferentes plataformas: uma avalanche de “achadinhos”. Roupas, acessórios, eletroportáteis e itens de decoração a preços baixos tomam conta das vitrines digitais, impulsionados sobretudo por produtos importados da China. Para dar vazão ao volume, lojistas reforçaram a logística e passaram a oferecer frete grátis ou valores reduzidos em compras a partir de R$ 10.
O movimento ganhou força com a reconfiguração do comércio global. Fornecedores asiáticos passaram a buscar novos mercados após o aumento das tarifas impostas por Donald Trump às exportações chinesas para os Estados Unidos, que chegaram a mais de 100% neste ano. Com um superávit comercial de US$ 1 trilhão entre janeiro e novembro, Pequim encontrou no Brasil um destino alternativo para seus produtos.
Importações em alta e consumo por impulso
Dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio (Mdic) mostram um salto nas importações brasileiras de itens de baixo valor, ligados a compras por impulso e amplamente divulgados nas redes sociais como “coisinhas úteis” e “achadinhos”. Entram nessa lista artigos de papelaria, higiene, acessórios plásticos, decoração e itens de costura.
As importações chinesas dessa categoria cresceram 35% neste ano, alcançando US$ 505,7 milhões, já incluídos frete e seguro. Houve avanço expressivo em bijuterias (+41,5%), calçados (+26,9%), brinquedos, jogos e artigos esportivos (+16,5%), vestuário de malha (+12,7%) e chapéus (+25%). Produtos como garrafas térmicas (+37%), vaporizadores (30%) e canetas (+164%) se destacaram.
Especialistas apontam o e-commerce como a principal porta de entrada desses produtos no país. Plataformas usam itens baratos como estratégia para atrair consumidores e até revendedores.
“Esse movimento só vai aumentar, pois é impulsionado pela taxação dos EUA, que reorganizou os fluxos de comércio. Os chineses precisam girar estoques e buscam mercados onde já têm presença e fluxo, como o Brasil. Embora haja a exportação (da China para o Brasil) de marcas de alto valor agregado com tecnologia, como smartphones e carros elétricos, a China também acelera o que tem de sobra para oferecer nos produtos bem baratos”, diz Antonio Cesar Carvalho, da Acomp Consultoria.
Preços em queda e “desinflação importada”
A disputa acirrada no varejo começa a aparecer nos índices de preços. Levantamento de André Braz, do FGV Ibre, com base no IPCA-15, indica deflação de 0,82% em 12 meses até novembro em itens de cama, mesa e banho. Em eletrodomésticos, a queda chegou a 5,35%.
Outros produtos tiveram alta mais moderada, abaixo da inflação média de 4,15%, como itens de papelaria (+2,86%). A valorização do real também contribui: o dólar acumula queda de 14% em 2025.
No início do mês, o presidente do Banco Central, Gabriel Galípolo, afirmou que a China está “exportando desinflação” para o Brasil, citando o aumento das importações acompanhado de redução de preços.
Estratégias para fisgar o consumidor
Com o Natal se aproximando, as empresas intensificaram ações para estimular compras por impulso. A Amazon ampliou em mais de 20% seu catálogo, chegando a 180 milhões de produtos em 50 categorias, e criou a seção “Achadinhos”, com preços a partir de R$ 5. A estratégia inclui descontos progressivos, como 20% na compra de dois itens e até 80% em oito produtos.
No Mercado Livre, as promoções vão até 21 de dezembro, com descontos de até 70%. Segundo Cesar Hiraoka, diretor sênior de Marketing da empresa, há maior procura por moda, suplementos, beleza, utensílios de cozinha e eletroportáteis, categorias com forte presença asiática.
O Magazine Luiza ampliou a oferta de produtos chineses, apoiado em uma rede de 150 mil vendedores ativos.
“ Os “achadinhos” se caracterizam por um preço convidativo. São importantes para atrair o consumidor e permitir que ele compre outras coisas. E já respondem por mais da metade do volume (de encomendas)”, diz Ricardo Garrido, diretor executivo de Marketplace do Magalu.
Na Shopee, que reúne mais de 3 milhões de vendedores, a expectativa é de alta nas vendas de decoração, beleza, moda, brinquedos e eletrônicos. A empresa aposta em descontos de 30% e frete grátis a partir de R$ 10. Já a Americanas investe em promoções relâmpago, com cortes de até 80%, especialmente em brinquedos e itens natalinos.
“Um dos maiores volumes de importação da China nesta época do ano são os brinquedos. Aumentamos a disponibilidade em 25% para este fim de ano, com 50 itens exclusivos”, diz Roberta Antunes, diretora de Operações da rede.
Lembrancinhas e vitrines cheias
A aposta em produtos baratos conversa com o consumidor que quer presentear sem comprometer o orçamento. A tradicional “lembrancinha” segue forte. Na Saara, centro de comércio popular do Rio, Aline Dias procurava pequenos mimos para os filhos entregarem às professoras.
“Estou dando uma olhada em itens de papelaria, coisas simples, mas que sejam uma lembrança legal”, afirma Adriana Torres, de 55 anos.
“ Vi que meu prédio não tinha nada de decoração ainda e vim dar uma olhada, pensar no que vou fazer”, completa.
Impacto também na indústria
O movimento chega à indústria nacional. A Multilaser aumentou as compras da China para renovar linhas de eletroportáteis e áudio da marca Multi.
“A categoria de eletrônicos ganha força nos “achadinhos” porque é marcada por rápida evolução e mudança tecnológica. Empresas lançam constantemente novas tendências. Esse ciclo incentiva o consumidor a buscar boas oportunidades nas plataformas. conta.”, diz Rodrigo Berti, diretor de produtos do grupo.
Consumidores atentos também percebem a diferença. Beatriz Rodrigues afirma que os preços estão mais baixos do que no fim de 2024 e alterna as buscas entre lojas físicas e o comércio eletrônico.
“Em comparação com os últimos anos, tem coisas que estão mais baratas agora.”