Rodrigo Zani
Acordão pela dosimetria? O Golpe já foi julgado — Não se negocia a democracia

O Brasil assistiu recentemente a um marco histórico: a condenação de Jair Bolsonaro e de seu núcleo golpista por tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito. O julgamento seguiu os ritos legais, com ampla defesa, contraditório e base em provas técnicas robustas — tão robustas, aliás, que nenhuma das defesas negou a tentativa de golpe. Os réus foram julgados e condenados por seus atos contra a Constituição, e o Brasil se projetou internacionalmente como exemplo de resiliência democrática.
No entanto, a extrema direita brasileira, liderada por expoentes do bolsonarismo reacionário, não se conforma com o fim do jogo. Após frustradas tentativas de intimidação institucional — com manifestações na Avenida Paulista e chantagens vindas do núcleo mais ideológico do bolsonarismo no exterior, como Eduardo Bolsonaro (o "deputado EAD"), Paulo Figueiredo (neto do último ditador militar) e o YouTuber foragido Allan dos Santos —, o grupo agora tenta uma nova ofensiva: pressionar o Congresso Nacional para alterar a legislação penal brasileira com o objetivo explícito de beneficiar um único cidadão — Jair Messias Bolsonaro.
Diante do desgaste político do clã Bolsonaro, o chamado "centrão" parece ter encontrado uma saída alternativa: o velho e conhecido acordão. O presidente da Câmara, Hugo Motta, escolheu o deputado Paulinho da Força como relator do projeto que trata do tema. E qual foi o primeiro passo do relator? Reuniões com Aécio Neves e Michel Temer — dois nomes que dispensam apresentações quando o assunto é acordos de bastidores.
A proposta é, no mínimo, inusitada: se antes se falava em "anistia", agora o eufemismo da vez é "dosimetria". Ou seja, alterar a dosimetria das penas aplicadas para suavizar as condenações — não com base em princípios legais, mas sim com endereço certo: Jair Bolsonaro.
É aqui que mora o problema. Alterar a legislação penal, especialmente em casos tão graves quanto uma tentativa de golpe de Estado, com o objetivo específico de beneficiar uma única pessoa, fere o espírito da democracia e da justiça. Leis penais não são ferramentas personalizáveis. Elas devem ser criadas com base em princípios universais, análise técnica, contexto histórico e responsabilidade social.
E o Brasil conhece bem os riscos de acordos costurados no submundo da política. Ainda está fresca na memória nacional a tentativa de acordão pós-Lava Jato: entregou-se Dilma Rousseff ao impeachment, em troca de alívio para investigados em escândalos de corrupção. Resultado? Um país mergulhado no caos institucional, a ascensão de uma extrema direita autoritária, e muitos dos artífices daquele acordo sumiram da cena política ou perderam relevância.
Repetir esse erro agora, em pleno século XXI, seria não apenas perigoso — seria irresponsável.
O julgamento do golpe já foi feito, as penas foram aplicadas com justiça e rigor, e o país precisa virar essa página. O que o Brasil precisa não é de mais um acordão — precisamos de um acordo nacional pela democracia, pela paz institucional e pela justiça social. Um pacto que coloque novamente no centro do debate temas estruturais e urgentes: combate à desigualdade, reforma tributária justa, sustentabilidade, educação de qualidade, saúde pública e segurança alimentar.
Legislar é coisa séria. E a democracia não é um capricho — é um compromisso histórico. Não há espaço para acordão quando a soberania do povo está em jogo.