Angelo Cavalcante
Salve Allende!
A esperança de um povo contra as trevas da ditadura

Augusto Pinochet (1915 - 2006) era tido como um oficial disciplinado e constitucionalista.
No seu geral, esse sujeito, feito um autômato, apenas cumpria ritos, protocolos e burocracias.
Medíocre, sempre foi de pouca ou nenhuma criatividade, inventividade ou realizador de algo efetivamente importante e original.
Ordinário, por toda a sua carreira militar, sempre esteve restrito, confinado e subsumido no cotidiano da caserna.
Bajulador e infame, trágica e desgraçadamente conseguiu lenta e suavemente se achegar às altas rodas do governo da Unidade Popular onde fora admitido pelo médico e presidente socialista Salvador Allende.
Pinochet fora alçado, elevado à muito importante condição de chefe das forças armadas chilenas por determinação do próprio Presidente Allende.
Pois bem... Tratemos de Allende!
Salvador Guillermo Allende Gossens (1908 - 1973) disputou o governo do Chile por quatro vezes; em 1952, 1958, 1964 e 1970.
No curso de sua trajetória política, Salvador Allende possuía duas certezas presentes e sólidas; a primeira era da falácia escancarada do racismo e que para os restritos do seu país, era direcionado com força, sobretudo, contra a maioria das populações indígenas com destaque para o guerreiro povo mapuche.
A certeza seguinte era sua oposição pública e assumida ao capitalismo, sobretudo, o capitalismo praticado na América Latina, um estranho e singular combinado sócio-produtivo periférico e que envolve dependência, subdesenvolvimento e neocolonização.
Bom...
Será no ano da graça de 1970, na mais dura eleição e intensamente disputada da história chilena onde a insuperável militância da Unidade Popular, composta por trabalhistas, socialistas, sindicalistas, comunistas, anarquistas e trabalhadores em geral, peleando voto a voto, casa por casa, bairro a bairro e região por região que Allende será, enfim, eleito presidente (36,2%), derrotando o muito forte candidato da direita, o engenheiro e ex-presidente Jorge Alessandri (34,9%) e o democrata-cristão Radomiro Tomic (27,8%).
Marxista-leninista assumido, Allende acreditava que conseguiria implantar o socialismo ou algo correlato no Chile, pelas vias institucionais!
Pobre Allende... Errou feio!
O governo dos Estados Unidos, socado no labirinto da Guerra Fria, não por menos, monitorava milimetricamente cada passo, gesto ou ação de Allende e de seu governo.
O presidente Nixon, a esse respeito, nunca escondeu sua antipatia por Allende, não por menos, o governo americano, desde os gabinetes da CIA, do Pentágono e da Casa Branca, irá enredar todos os esforços e maquinações possíveis e impossíveis para instabilizar, sabotar e mesmo derrubar o governo popular de Salvador Allende.
O que, de fato, acontecerá em infeliz 11 de setembro de 1973 quando as armas chilenas, assessoradas, orientadas e financiadas pelo governo dos Estados Unidos se levantam impiedosamente contra o governo constitucional e democrático da Unidade Popular.
O golpe contra Salvador Allende, não casualmente, se converte em um dos mais tristes e dramáticos episódios do amplo, imenso rol de golpes e que sempre marcou a política na América Latina.
Bom...
No curso do golpe, além de milhares de pessoas massacradas, assassinadas, detidas injustamente e desaparecidas (ainda hoje, desaparecidas!), o presidente Salvador Allende se suicida (?) no interior do magnífico Palácio La Moneda, sede do governo chileno.
Uma junta de generais assume provisoriamente o governo nacional e que é transferido, em seguida, para o mando brutal e assassino do general Augusto Pinochet.
Depois disso... O Chile é jogado, lançado em um turbilhão!
A repressão chilena passa a matar indistinta e indiscriminadamente cidadãos chilenos ou estrangeiros!
A experiência repressiva e apetecida no seu Estádio Nacional é icônica onde milhares de homens e mulheres, sob a mira fatal de fuzis e pistolas, lotam, abarrotam, congestionam arquibancadas, galerias e gramados e esse Estádio é convertido, dessa forma, em um matadouro desatado e indiscriminado.
Um dos casos mais conhecidos e acontecido no Nacional fora o ocorrido com o músico, poeta e instrumentista Victor Jara, espécie de "Chico Buarque" chileno e que teve dedos e mãos quebradas e após horas e horas de tortura é por fim, assassinado.
Sob o governo de Pinochet o Chile e que até 1973 possuía dos melhores IDH's de toda a América Latina é desmontado, sua economia é desfeita em sua totalidade; não por menos, sob a orientação de economistas neoliberais advindos da Universidade de Chicago (EUA) e sob a coordenação do indefectível Milton Friedman, o modelo neoliberal de feição mais pura e brutal é implantado.
Serviços públicos essenciais como assistência social, previdência ou a saúde são privatizados; a extração do cobre chileno, das maiores jazidas do mundo, é internacionalizada e repassada para grupos estrangeiros e o Estado chileno é, por fim, capado de suas capacidades mínimas de intervenção e regulação.
O resultado dessa aventura sanguinária? Miséria, pobreza, abandono e desamparo da população chilena ainda para os dias de hoje.
Bom...
Pinochet governa (?) o Chile de 11 de setembro de 1973 até 11 de março de 1990 onde, em seguida, é sucedido por Patrício Aylwin.
Como prova do poder, da influência e da base de apoio que Pinochet conseguiu criar, mesmo em meio ao mar de sangue e da miséria e que espraiou pelo Chile, conseguiu que o Senado chileno o tornasse senador vitalício.
Dá para acreditar nisso?
Por fim, Pinochet, dos maiores assassinos da história latina viveu o resto dos seus dias sem punição alguma...
Aliás, algum ensaio nesse sentido, se dará em 1998, na ação impetrada pelo juiz espanhol Baltasar Garzon e que o condena, a partir dos vastos e incontestáveis dados da Comissão da Verdade Chilena.
Garzon revelou com farta e larga documentação que dezenas de cidadãos espanhóis foram mortos pela loucura de Pinochet.
O velho Pinochet permaneceu detido em prisão domiciliar na capital Londrina por um ano e meio até ser liberado pelo antigo e afetuoso aliado, o Reino Unido.
A imprensa internacional, vejam bem, noticiava um Pinochet velho, decadente e moribundo; ora posto em uma cadeira de rodas; outra vez, estatelado em uma cama clínica.
A fera foi liberada!
O curioso é que depois de libertado e já em solo chileno, surge um Pinochet de pé, brioso, sorridente e se congraçando com aliados.
Até me lembrei de Bolsonaro e a imagem que quer, de todas as formas, nos passar, nos vender...
Por fim, poucas são as lástimas piores e mais degradantes para a América Latina do que o vício distorcido da anistia para abertos crimes contra a humanidade.
Sem anistia!
Angelo Cavalcante - cientista político, economista, professor da Universidade Estadual de Goiás (UEG), Itumbiara.