Rodrigo Zani
Fundeinfra, a Taxa do Agro e o produtor no meio do fogo cruzado Político-Jurídico

Durante sua campanha para a reeleição, o governador Ronaldo Caiado prometeu que não haveria taxação sobre o produtor rural em Goiás. A declaração ressoou como música para os ouvidos do setor agropecuário, que sempre viu em Caiado um aliado histórico da agricultura nacional. Entretanto, o que se viu nos primeiros movimentos de seu novo mandato contrariou essa promessa: antes mesmo de assumir oficialmente o cargo, Caiado enviou à Assembleia Legislativa de Goiás (Alego) um projeto que criava a contribuição do produtor rural para um fundo estadual de infraestrutura, o chamado Fundeinfra — apelidado de “taxa do agro”.
A medida foi aprovada sob intensa resistência dos próprios produtores, protestos públicos, uma postura passiva do então presidente da Alego, Lissauer Vieira, e o silêncio estratégico da direção da Faeg, que surpreendeu quem esperava dela uma defesa mais enfática do setor.
Importante frisar que não há, em tese, nada de incoerente em se pensar numa contribuição do agronegócio para a infraestrutura estadual. Afinal, é o próprio setor o principal interessado em melhorias logísticas que facilitem o escoamento da produção. A ideia de destinar recursos arrecadados para obras em regiões estratégicas para o agro é, por si só, legítima e estratégica.
O problema, no entanto, não foi a criação do fundo, mas a incapacidade do governo de gerir os recursos com a velocidade e eficiência necessárias. A burocracia estatal, como era de se prever, travou os processos de licitação e execução das obras. Diante disso, o governo optou por terceirizar a gestão dos recursos, convidando o IFAG — instituto vinculado às grandes entidades do agronegócio goiano — para assumir o comando do Fundeinfra.
Com o aval da Alego, mesmo com ressalvas da oposição, especialmente do deputado Gustavo Sebba, o projeto foi aprovado. O Ministério Público estadual levantou preocupações e iniciou contestações. O cerne do debate jurídico: estaria o IFAG apto, legal e tecnicamente, a conduzir projetos de engenharia e tocar obras públicas sem obedecer rigorosamente à Lei de Licitações? Essa é a pergunta que ainda ecoa nos corredores da política e do Judiciário.
Para o governo, a parceria com o IFAG significaria celeridade e eficiência. Para os críticos, uma perigosa flexibilização legal, que pode abrir margens para distorções e fragilidades no controle público. Surgiu então uma guerra de narrativas, que recentemente ganhou um novo e importante capítulo.
A direção nacional do PT ingressou com ação no STF, questionando a legalidade da terceirização da gestão do fundo. O ministro Alexandre de Moraes, relator da ação, concedeu liminar suspendendo as obras vinculadas ao Fundeinfra até que o processo seja julgado em definitivo.
O governo de Goiás, agora, se vê numa situação delicada: arrecadou bilhões do produtor rural, enfrentou desgaste político para isso, e vê-se no final do mandato com obras paradas e sem garantia de entrega. A reação do governador Caiado, que tem expressiva aprovação popular (88%, segundo pesquisas), foi política: acusou a decisão do STF de ter viés político e se alinhou, em tom e conteúdo, ao discurso bolsonarista que questiona a legitimidade das decisões de Moraes.
Nesse contexto, Caiado erra o tom. Decisões judiciais, por mais questionáveis que sejam, devem ser contestadas nos autos e pelos canais institucionais adequados. Ao politizar uma decisão técnica e jurídica, o governador arrisca transformar uma demanda legítima do setor rural em um cabo de guerra ideológico.
A Alego seguiu o tom do governador, enquanto a oposição — com figuras como Marconi Perillo, bancadas do PL e do PT — comemorou a liminar, vendo nela uma oportunidade de desgaste para o governo estadual.
No meio desse embate, está o produtor rural — pequeno, médio e grande — que, com expectativa legítima, colocou seu dinheiro num fundo prometido para melhorar estradas, pontes e acessos à produção. Agora, vê-se perdido em meio a embates políticos e jurídicos, sem garantias de que verá retorno sobre sua contribuição.
É fato que a burocracia estatal precisa de reformas, pois atrasa a entrega de políticas públicas e infraestrutura. No entanto, ela também funciona como um sistema de freios contra o desvio de conduta e a corrupção. Flexibilizar demais pode significar abrir portas perigosas.
O que se espera, em nome da boa política, da responsabilidade pública e da ética, é que essa confusão seja esclarecida com urgência, que o STF julgue o mérito da ação com celeridade e que o produtor rural — que bancou toda essa história — receba as obras prometidas. Afinal, políticos e juízes não são donos do poder, mas servidores públicos que juraram servir à população. E, neste caso, há uma conta a ser prestada ao setor que move a economia de Goiás: o agro.