PF investiga obra de R$ 20,4 milhões em Alagoas bancada por emendas de Arthur Lira
O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL) — Foto: Brenno Carvalho/O Globo A Polícia Federal (PF) investiga uma suspeita de fraude em uma obra de R$ 20,4 milhões no sertão de Alagoas, financiada com recursos do Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (DNOCS) por meio de emendas atribuídas ao então presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL).
A apuração ocorre no âmbito da Operação Overclean, que investiga um esquema de desvio e lavagem de dinheiro envolvendo emendas parlamentares. Esta é a primeira vez que o nome de Lira aparece formalmente no inquérito.
A citação foi antecipada pelo portal R7. A equipe da coluna teve acesso à investigação, que detalha como uma empresa considerada pivô do esquema foi contratada por meio de atas irregulares para executar a obra no interior de Alagoas.
Superfaturamento e tentativa de ampliar repasses
Segundo a PF, já foram identificadas diversas irregularidades no contrato, incluindo:
Superfaturamento;
Uso de atas de registro de preços consideradas fraudulentas;
Tentativa de forjar atraso no andamento da obra para justificar novos repasses de recursos.
Essa manobra teria sido interrompida após a deflagração da Operação Overclean.
Obra em cidade governada por aliada de Lira
A obra sob investigação previa a pavimentação de uma via em Ouro Branco (AL), município administrado por Denyse Siqueira, aliada política e correligionária de Arthur Lira.
A execução ficou a cargo da Allpha Pavimentações e Serviços de Construção, empresa apontada como uma das principais do esquema investigado.
A companhia pertence aos irmãos Alex Rezende Parente e Fábio Rezende Parente, que, de acordo com o inquérito, liderariam o esquema ao lado do empresário José Marcos de Moura, conhecido como Rei do Lixo, ligado à cúpula do União Brasil.
Ata fraudada da Bahia foi usada em Alagoas
De acordo com fontes da PF, o DNOCS em Alagoas utilizou uma ata de registro de preços do DNOCS da Bahia para contratar a Allpha.
Essa mesma ata teria origem em uma licitação fraudada no período em que Lucas Maciel Lobão chefiava o órgão na Bahia, durante o governo Jair Bolsonaro.
Lobão foi preso na primeira fase da Overclean, em dezembro de 2024, ao lado do Rei do Lixo e dos irmãos Rezende.
CGU já havia apontado superfaturamento milionário
Durante a gestão Bolsonaro, um relatório da Controladoria-Geral da União (CGU) apontou um superfaturamento de R$ 192 milhões na compra de reservatórios de água pelo DNOCS da Bahia, o que levou à exoneração de Lobão em setembro de 2021.
Antes mesmo da Overclean, a Allpha já era investigada pela CGU por fraudar comprovantes de obras financiadas por emendas parlamentares.
Metade do valor liberada em apenas dois meses
Após a primeira fase da operação, a CGU voltou a analisar a empresa, agora no caso da pavimentação em Alagoas, e identificou indícios de superfaturamento nos repasses.
Chamou atenção dos auditores o curto intervalo de pagamentos:
em apenas dois meses, mais de R$ 9 milhões — quase metade do valor total da obra — já haviam sido pagos à Allpha.
Segundo a PF, a empresa recebeu cerca de R$ 13 milhões até a deflagração da operação.
Fotos antigas e suspeita de pagamento duplicado
Outra irregularidade investigada é a suposta tentativa de simular lentidão na obra com o uso de fotos antigas no sistema do DNOCS.
As imagens seriam da primeira etapa da pavimentação, já paga, mas teriam sido usadas novamente quando a obra já estava na quinta medição, o que poderia gerar pagamento duplicado.
Após as prisões da Overclean, houve ainda uma tentativa de destruição de documentos, segundo a PF, sem sucesso.
Arthur Lira nega irregularidades
Procurado, Arthur Lira negou qualquer envolvimento no esquema.
“Não tenho nenhuma relação com essa empresa. Eu enviei a emenda para beneficiar a região. A responsabilidade pela contratos e pela fiscalização é do DNOCS”
A assessoria do parlamentar afirmou que cabe ao deputado apenas indicar o município beneficiado e que a fiscalização dos contratos não tem relação com o parlamentar.
Segundo a nota, as emendas “são instrumentos legítimos de política pública” e o investimento atende a um “pleito histórico” da população local, com potencial para “promover o desenvolvimento das comunidades rurais” e “facilitar o escoamento da produção agrícola”.
Ex-assessora de Lira também é alvo da PF
Recentemente, uma ex-assessora de Arthur Lira, Mariângela Fialek, conhecida como “Tuca”, foi alvo de outra operação da PF envolvendo emendas parlamentares.
Ela foi abordada em uma sala no anexo 2 da Câmara, onde funcionaria um “centro de distribuição” de verbas.
Após a saída de Lira da presidência da Câmara, a assessora foi mantida no gabinete da liderança do PP, com salário de R$ 23,7 mil e o mesmo local de trabalho.