Aliado de Castro articulou flexibilização de norma da Cedae para aplicar R$ 200 milhões no Master
Reprodução Sob a gestão de um ex-assessor do governador Cláudio Castro (PL), a Cedae alterou sua política de aplicações financeiras pouco antes de adquirir, no fim de 2023, R$ 200 milhões em papéis do Banco Master. A mudança foi conduzida pelo então diretor financeiro da companhia, Antonio Carlos dos Santos, que havia integrado o gabinete do governador no ano anterior. Agora, o Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro (TCE-RJ) analisa o caso e marcou para esta quinta-feira (18) o julgamento de uma representação que questiona a “justificativa técnica” dos pagamentos ao banco, alvo de liquidação no mês passado por indícios de gestão fraudulenta.
Antonio Carlos assumiu a Diretoria Administrativa-Financeira e de Relação com Investidores da Cedae no fim de 2022. Cerca de dez meses depois, produziu um parecer no qual apontava ser “oportuno e urgente revisar a Política de Aplicações Financeiras” da empresa. Até então, a norma previa aplicações com “baixa exposição a todas as fontes de risco”, com o objetivo de “evitar a perda de valor” dos recursos em caixa.
A política revisada, aprovada em setembro de 2023, reduziu os critérios para investimentos. O novo texto passou a permitir a compra de papéis de instituições financeiras com nota mínima BBB-, equivalente à décima posição em uma escala de 1 a 16.
Essa era exatamente a avaliação atribuída ao Banco Master em 2022 pela Fitch, uma das três principais agências de risco do mundo. Antes da mudança, a política da Cedae só autorizava aplicações em instituições com nota mínima A-, três níveis acima da classificação do banco à época.
Outra alteração relevante foi a permissão para investir em instituições avaliadas por “pelo menos uma das três principais agências”. A regra anterior exigia avaliação em “duas das três principais agências”, critério que o Banco Master não atendia.
Ressalvas internas
Procurado, Antonio Carlos afirmou que a política de aplicações financeiras havia passado por duas revisões anteriores, em novembro de 2022 e março de 2023, e que todas “cumpriram os ritos e análises jurídica, de compliance, assim como aprovação pela diretoria-executiva, comitê de auditoria e conselho de administração”.
Documentos analisados pelo GLOBO mostram, no entanto, que a área jurídica da Cedae apresentou ressalvas à flexibilização das regras. Em parecer, os advogados alertaram para o “aumento (...) de nível de grau de risco” e recomendaram que a direção avaliasse “se as alterações propostas —de perfil mais arrojado —estão em consonância com os planos” da companhia.
O comitê de auditoria aprovou a mudança, mas com voto contrário de um de seus integrantes, Aristóteles Drummond, que sugeriu a manutenção do “rating do AAA por uma questão de segurança”. Ele acabou vencido e deixou posteriormente o colegiado.
O conselho de administração também autorizou a revisão da política, em reunião realizada em 12 de setembro, após apresentação de Antonio Carlos. Entre os conselheiros estava o presidente da Cedae, Aguinaldo Ballon, que já havia atuado no Palácio Guanabara como braço-direito do atual secretário da Casa Civil, Nicola Miccione, aliado próximo de Cláudio Castro.
Pouco depois da mudança nas regras, ainda no fim de 2023, a Cedae adquiriu R$ 200 milhões em CDBs emitidos pelo Banco Master. Em comunicado ao mercado divulgado no mês passado, Antonio Carlos informou que a companhia iniciou resgates parciais em setembro de 2025, após o rebaixamento da nota do banco pela Fitch. Os papéis ofereciam rendimento de 113% do CDI, taxa considerada elevada.
Segundo apuração do GLOBO, apesar de os títulos preverem “resgate imediato”, Antonio Carlos afirmou em reuniões do conselho, ao longo de 2025, que os valores seriam retirados “gradualmente”, para redirecionamento a outras instituições. Com a liquidação do Banco Master, em novembro, ficaram retidos R$ 220 milhões aos quais a Cedae teria direito, já considerados os rendimentos. Em nota ao mercado, a companhia informou que está “tomando as providências cabíveis” para tentar reaver os recursos, sem prazo definido.
‘Voto de confiança’
O processo em análise no TCE-RJ teve origem em denúncia apresentada pelo deputado estadual Luiz Paulo (PSD-RJ). Antes de levar o caso a julgamento, o relator, conselheiro Rodrigo Melo do Nascimento, solicitou explicações à Cedae sobre a “análise de risco que precedeu a decisão pela política de investimentos”.
Em nota ao GLOBO, Antonio Carlos afirmou que os aportes no Banco Master respeitaram os limites da política de aplicações, evitando concentração excessiva de recursos. Ele também justificou a revisão das regras pela “importância dos rendimentos financeiros” em um período em que a Cedae registrava prejuízo operacional.
Antes de ocupar a diretoria financeira da Cedae e de atuar no gabinete de Cláudio Castro, Antonio Carlos presidiu o Detran entre 2019 e 2020, quando o órgão era vinculado à vice-governadoria, então ocupada por Castro. No fim do ano passado, ele registrou uma visita ao governador no Palácio Guanabara.
“Hoje me reuni com nosso governador Cláudio Castro para agradecer o voto de confiança”, escreveu.
Procurados, o governo do Rio e a Cedae informaram que todas as versões da política de aplicações priorizaram “ativos de alta liquidez e baixo risco, com rentabilidade próxima ao CDI, reforçando a robustez do caixa”.
Histórico entre governo Castro e Banco Master
Aportes do Rioprevidência
O fundo de pensão dos servidores estaduais aplicou quase R$ 1 bilhão em papéis do Banco Master entre dezembro de 2023 e julho de 2024. O valor, com prazo de recuperação incerto, foi o maior entre os 18 institutos de previdência estaduais e municipais que também investiram no banco. As aplicações ocorreram após as compras feitas pela Cedae.
Demissões de dirigentes
Com a crise gerada pela liquidação do Banco Master, o governo Castro iniciou a demissão de antigos dirigentes do Rioprevidência envolvidos nas aplicações. As exonerações se intensificaram após relatório do TCE-RJ apontar “notável coincidência” entre as nomeações e o início dos aportes no banco.
Migração para outro fundo
A advogada Fernanda Pereira, que integrou a antiga diretoria do Rioprevidência e credenciou o Banco Master no fundo estadual, migrou em 2024 para o instituto de previdência de Itaguaí. Em seguida, o fundo também realizou aportes no banco. Ela é aliada do presidente do Rioprevidência, Deivis Antunes, cuja nomeação contou com apoio de dirigentes do União Brasil.