Referência para STF, códigos de ética de EUA e Alemanha limitam eventos e presentes
Ministros do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes (à esq.) e Dias Toffoli em sessão plenária da corte - Gabriela Biló - 5.nov.25/Folhapress Cortes constitucionais da Alemanha e dos Estados Unidos adotam regras rígidas que limitam a aceitação de benefícios e a participação de juízes em eventos que possam lançar dúvidas sobre sua imparcialidade. Esses modelos são apontados como referência para a criação de um código de ética para ministros do Supremo Tribunal Federal (STF).
A discussão ganhou força após a revelação de que o ministro Dias Toffoli viajou a Lima, no Peru, para a final da Taça Libertadores em um jato particular com Augusto Arruda Botelho, advogado envolvido no caso do Banco Master.
Contrato citado em reportagem
Dois dias depois, o jornal O Globo publicou reportagem informando que a instituição financeira teria contratado o escritório da família do ministro Alexandre de Moraes por R$ 3,6 milhões mensais, pelo período de 36 meses. O contrato seria para representar o banco onde fosse necessário, sem vinculação a uma causa ou processo específico.
Defesa de código enfrenta resistência interna
O presidente do STF, Edson Fachin, defende a criação de um código de ética para os ministros. A proposta, no entanto, enfrenta resistência interna no tribunal, mesmo antes de ser formalizada.
O receio é de que o debate avance em um momento em que o Senado Federal analisa mudanças na Lei do Impeachment, o que poderia ampliar pressões externas sobre o Supremo.
Referências internacionais
Especialistas ouvidos pela reportagem apontam que os principais parâmetros para um eventual código no Brasil seriam os modelos adotados pelas cortes da Alemanha e dos Estados Unidos, tanto pela proximidade dos sistemas jurídicos quanto pelas particularidades institucionais de cada país.
Modelo alemão
Na Alemanha, além da imparcialidade, há uma forte preocupação com a aparência de imparcialidade. O código de ética estabelece que os juízes não devem agir de forma a comprometer a reputação do tribunal, nem emitir opiniões sobre temas constitucionais ou fazer previsões sobre resultados de julgamentos.
O texto também determina que toda remuneração recebida por aulas ou eventos seja publicizada. A aceitação de pagamentos só é permitida quando não compromete a reputação do tribunal nem levanta dúvidas sobre independência, imparcialidade, neutralidade ou integridade.
Modelo dos Estados Unidos
O código de ética da Suprema Corte dos Estados Unidos foi criado em 2023, após pressão da sociedade gerada por reportagens que revelaram presentes e viagens custeadas por figuras conservadoras influentes a membros da Corte.
O documento estabelece que os juízes não devem permitir que relações familiares, sociais, políticas ou financeiras influenciem seus julgamentos. Também restringe a aceitação de presentes e orienta evitar qualquer percepção de que terceiros tenham posição privilegiada capaz de influenciar decisões judiciais.
Especialistas defendem autocontrole institucional
O professor Álvaro Jorge, da FGV Direito Rio, afirma que, diferentemente do Executivo e do Legislativo, o Judiciário não passa pelo crivo do voto e extrai sua legitimidade da qualidade técnica das decisões e da percepção social.
"Quanto mais o Judiciário se torna forte, presente na vida das pessoas, mais existe a necessidade de que se perceba a corte não como um agente político-eleitoral", afirma.
"Reforça[-se] a necessidade de que esse Poder se autocontrole, justamente para evitar essa perda na legitimidade institucional".
O presidente da OAB-SP, Leonardo Sica, avalia que o momento é oportuno:
"A melhor maneira de os ministros mostrarem que não há motivo para desconfiar do Supremo é o tribunal mostrar que tem mecanismos de controle interno."
Proposta em elaboração
A OAB instituiu neste ano uma comissão para estudar a reforma do Judiciário. O grupo se reuniu há duas semanas para discutir um código de ética para o STF e pretende apresentar uma proposta ao ministro Fachin no próximo ano. Os modelos alemão e americano foram os principais referenciais debatidos.
Limites atuais e desafios no Brasil
A professora Juliana Cesário Alvim, da UFMG, lembra que o Brasil já possui restrições previstas na Lei Orgânica da Magistratura (Loman) e em normas do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), mas essas regras não se aplicam ao STF por entendimentos da própria Corte.
Ela defende a criação de um código específico, mas ressalta a importância do desenho das regras.
"Todos esses elementos fazem diferença em termos do resultado."
"Esse é um motivo, não para ser contra, mas para estar atento ao que é esse código de ética, como ele vai ser desenhado, como ele vai ser manejado. E, tendo em mente essa preocupação: não queremos um código de ética que permita abusos, interferências. É isso que estamos querendo evitar", completa.