Parlamentares direcionam R$ 10 bilhões para projetos genéricos e sem transparência

Atendendo à solicitação do Supremo Tribunal Federal (STF) para proporcionar maior transparência nas emendas parlamentares, o Congresso destinou 20% dos recursos disponíveis para este ano em ações amplas, que não especificam a aplicação da verba. Uma análise do GLOBO revela que foram alocados R$ 9,7 bilhões para categorias como “fomento à agricultura” e “apoio a projetos de infraestrutura turística”, que podem englobar desde asfaltamento de ruas até a aquisição de tratores. Contudo, a aplicação específica só é decidida após negociações dos parlamentares com prefeituras e governos estaduais.
Funciona como se o dinheiro fosse transferido para um fundo comum, a ser utilizado conforme a conveniência política dos deputados e senadores que destinaram os recursos. Especialistas consideram isso uma tática para dificultar a rastreabilidade da verba por órgãos de controle.
No total, os fundos foram alocados em seis das 275 ações planejadas no Orçamento de 2025 que foram beneficiadas por emendas. Essas categorias abrangem também elementos como “apoio à política nacional de desenvolvimento urbano”, “desenvolvimento de atividades e apoio a projetos de esporte, educação, lazer” e “desenvolvimento de políticas de segurança pública”.
O valor alocado para essas seis ações específicas cresceu aproximadamente dez vezes nos últimos anos, refletindo o aumento dos valores das emendas. Em 2016, por exemplo, os parlamentares destinaram R$ 1 bilhão para esses mesmos itens, considerando valores ajustados pela inflação.
A ação genérica que recebeu a maior cifra neste ano, com R$ 3,65 bilhões, é descrita como “apoio a projetos de desenvolvimento sustentável local integrado”, a iniciativa está ligada ao Ministério da Integração e Desenvolvimento Regional, dirigido por Waldez Góes, que foi nomeado para o cargo pelo presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP). De acordo com o manual de emendas entregue aos parlamentares, essa medida possibilita a utilização dos recursos para a construção e manutenção de estradas, além da compra de máquinas agrícolas, construção de abatedouros públicos e cisternas, entre outras ações.
Essa iniciativa, isoladamente, representa 44% dos recursos do Ministério da Integração e Desenvolvimento Regional. Somando-se aos R$ 3,65 bilhões em emendas parlamentares, são adicionados mais R$ 1,1 bilhão provenientes das verbas da própria pasta.
O senador Weverton (PDT-MA) foi o responsável por destinar a maior emenda para a ação genérica do Ministério da Integração, que soma R$ 23 milhões. Segundo ele, esse valor deverá ser aplicado no Maranhão, sua base eleitoral, em obras e na compra de caminhões, tratores, grades aradoras e carretas agrícolas. O parlamentar afirmou que enviará um ofício ao ministério informando como e onde os recursos deverão ser utilizados.
— Na hora de se tomar a decisão (sobre como o recurso será gasto) é que o deputado ou senador manda um ofício com sua opinião formada. Não vejo problema nenhum, pelo contrário, dá mais condições de atender a demanda de acordo com a realidade de cada município — argumenta.
O documento enviado pelo parlamentar ao ministério, entretanto, não é necessariamente divulgado. Assim, o destino e o propósito só se tornam claros após a ação, ou seja, após o envio dos recursos.
Nos últimos tempos, o movimento para ampliar o alcance das emendas, dando mais liberdade aos parlamentares para escolher seu uso, tem se acelerado.
Em média, o Congresso legisla cerca de seis mil emendas anualmente, embora esse número tenha sido significativamente maior no passado: em 1991, quase 72 mil emendas foram apresentadas, conforme estudo realizado pelos especialistas em Orçamento Hélio Tollini e Marcos Mendes, publicado no final do ano anterior.
— O número vem caindo porque o parlamentar só precisa definir o destino e o objeto no momento da execução. É possível fazer uma emenda com valor muito maior para ações de perfil extremamente amplo. Obras de pavimentação, que têm grande apelo político e visibilidade, são realizadas por diversos ministérios, como o do Turismo e, até recentemente, o da Defesa — afirma Tollini.
Um dos casos que exemplifica a liberdade dada aos parlamentares são os recursos enviados para “apoio a projetos de infraestrutura turística”, com R$ 1,3 bilhão previsto para este ano, sendo R$ 1 bilhão de emendas parlamentares. Essa ação permite investimentos que vão da construção de calçadas até a de aeroportos.
Praticamente todo o montante das emendas para essa ação veio de apenas duas propostas: uma da Comissão de Turismo da Câmara, no valor de R$ 500 milhões, e outra da Comissão de Desenvolvimento Regional e Turismo do Senado, no valor de R$ 400 milhões. Na prática, esses recursos serão pulverizados em centenas de obras, cuja definição ocorrerá apenas no momento da execução, a partir de ofícios de deputados e senadores.
— Isso compromete a qualidade do gasto público: se praticamente todo o orçamento de um ministério se concentra em uma única ação orçamentária, ela perde o sentido de existir. O ideal seria que houvesse um mínimo de detalhamento — afirma Marina Atoji, diretora de programas da Transparência Brasil.
Segundo Atoji, essa forma de concentração provoca dificuldades no planejamento e na transparência, pois a informação sobre a alocação dos recursos só é reconhecida após a indicação do congressista, mesmo pelo próprio governo, que irá repassar os recursos para estados e municípios.
Redução nos investimentos
Além da concentração de emendas em ações genéricas, um estudo realizado pela consultoria da Câmara revelou uma redução na alocação de recursos para investimentos. Em 2023, 95% das emendas eram direcionadas a esse objetivo, enquanto neste ano essa porcentagem caiu para 85%, abrindo espaço para maiores despesas de custeio, ou seja, para a manutenção da máquina pública.
A pesquisa, realizada a pedido da deputada Adriana Ventura (Novo-SP), também destaca que, em 2024, 57% do valor total das emendas de bancadas estaduais foram destinados a custeio. O documento indica uma migração gradual das emendas coletivas para ações genéricas, cujo detalhamento ocorre apenas na fase de execução.
— Existe a justificativa de que são necessárias obras estruturantes, como estradas. Mas, analisando o histórico, vê-se que pouco é feito nesse sentido. Esse mecanismo é utilizado, tanto em emendas de comissão quanto de bancada, para viabilizar depois as chamadas emendas individuais — pontua a deputada.
Recentemente, o STF tem exigido uma maior transparência do Congresso em relação à destinação das emendas, além de um melhor alinhamento dos repasses com os projetos prioritários de cada região.
Há cerca de dez dias, o ministro Flávio Dino ordenou que a Câmara dos Deputados e o Senado Federal informem como será realizada a identificação dos autores das emendas de comissão e bancada. Ele também pediu que a Advocacia-Geral da União (AGU) explique o funcionamento do Cadastro Integrado de Projetos de Investimento, uma ferramenta que deve demonstrar se os recursos estão sendo utilizados em projetos estruturantes.