Senador diz que Moraes atuou nos bastidores para ajustar PL da Dosimetria
Reprodução A articulação em torno da redação final do Projeto de Lei da Dosimetria — que pode reduzir o tempo de Jair Bolsonaro em regime fechado — teve participação direta do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes. A informação foi revelada pelo senador Alessandro Vieira (MDB-SE) durante sessão da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e confirmada por outras fontes do Senado.
Segundo esses relatos, Moraes procurou ao menos quatro senadores, entre eles o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), e o ex-presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (PSD-MG). O objetivo teria sido ajustar a redação do texto aprovado pela Câmara dos Deputados na semana passada. De acordo com o que o ministro teria relatado aos parlamentares, o projeto votado pelos deputados não refletia o acordo previamente firmado com o Supremo pelo relator da proposta na Câmara, Paulinho da Força (Solidariedade-SP).
O principal ponto ajustado foi a delimitação da redução de pena apenas aos envolvidos nos atos golpistas de 8 de Janeiro. A mudança retirou a possibilidade de aceleração da progressão de regime para crimes como exploração sexual, coação no curso do processo e organização criminosa.
A alteração foi apresentada pelo senador Sergio Moro (União-PR) e acolhida pelo relator no Senado, Espiridião Amin (PP-SC). Classificada como emenda de redação, e não de mérito, a mudança evitou o retorno do texto à Câmara e permitiu o envio direto do projeto ao Palácio do Planalto para sanção presidencial.
Durante a discussão na CCJ, Alessandro Vieira criticou duramente a atuação do ministro. “O que está acontecendo nos bastidores é um grande acordo, que envolve diretamente o ministro Alexandre de Moraes, que se entende no direito de interagir com senadores e deputados, sugerindo inclusive texto, enquanto ao mesmo tempo, na tribuna da Suprema Corte, verbaliza o contrário”, afirmou.
Em seguida, reforçou a crítica: “Esse texto é fruto de um acordo entre o governo Lula, parte da oposição e o ministro Alexandre de Moraes, dentre outros ministros. Moraes interagiu com senadores diversas vezes em defesa deste texto. É muito fácil nessa nossa terra criar falsos heróis, a cada dia surge um.”
As declarações contrastam com o discurso adotado por Moraes no plenário do STF. Na terça-feira (16), durante o julgamento do núcleo 2 da trama golpista, o ministro se posicionou contra qualquer redução de penas aos condenados pelos atos que culminaram na invasão e depredação das sedes dos Três Poderes.
“Não é possível mais discursos de atenuante em penas, em penas aplicadas depois do devido processo legal, aplicadas depois da ampla possibilidade de defesa, porque isso seria um recado à sociedade de que o Brasil tolera ou tolerará novos flertes contra a democracia”, disse.
“A resposta estatal deve ser dura para punir aqueles que tentaram acabar com a democracia do Brasil.”
‘Amolecer o coração’
O acordo político também envolveu o líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA). Ele teria se comprometido a não criar obstáculos à votação do projeto em troca do apoio da oposição a uma proposta considerada prioritária pela equipe econômica, que trata do aumento da tributação sobre bets e fintechs.
Segundo Wagner, a negociação foi feita sem consulta prévia ao presidente Lula nem à ministra da Secretaria de Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann — apesar de o presidente já ter sinalizado que pretende vetar o texto.
Como parte do acerto, Wagner teria pedido a pelo menos dois senadores da oposição que “amolecer o coração” em relação à indicação do advogado-geral da União, Jorge Messias, ao STF, nome que ainda depende de aprovação do Senado.
A condução do acordo gerou reação dentro da própria base governista. O senador Renan Calheiros (MDB-AL) criticou publicamente a postura do líder do governo. Em entrevista coletiva nesta quinta-feira, o presidente Lula afirmou que não foi informado sobre qualquer negociação.
"Se houve acordo com governo, eu não fui informado. Então, se o presidente não foi informado, não houve acordo. Tenho dito que as pessoas que cometeram crime contra a democracia brasileira terão que pagar contra os atos cometidos contra esse país", disse Lula.
"Nem terminou o julgamento ainda e já resolvem diminuir a pena. Com todo respeito que tenho ao Congresso, na hora que chegar na minha mesa, eu vetarei."