Coaf identifica pagamentos de lobista a desembargador e à faculdade da família do governador do Piauí
A investigação sobre um suposto esquema de venda de sentenças no Tribunal de Justiça do Piauí (TJ-PI) atingiu o núcleo político do estado. Relatórios do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), anexados ao inquérito policial, revelam que o lobista Juarez Chaves de Azevedo Júnior, apontado como operador do esquema, realizou transferências financeiras para pessoas e instituições ligadas ao governador Rafael Fonteles (PT).
Entre os beneficiários identificados pelo Coaf estão a faculdade iCEV, pertencente à família do governador, e o advogado Mario Basílio de Melo, recentemente empossado como desembargador do TJ-PI após nomeação pelo petista.
O elo com a família do governador
O Coaf analisou transações realizadas entre dezembro de 2023 e fevereiro de 2024. O documento aponta que o lobista transferiu R$ 20 mil para a faculdade iCEV.
Vínculo familiar: A mãe do governador, Nereida Maria Fonteles, é diretora da TF3 Participações, empresa que detém ações da instituição de ensino.
Histórico: O próprio governador Rafael Fonteles foi proprietário de uma unidade do grupo em São Luís (MA), cujas atividades foram encerradas dez meses após sua posse no governo.
O governador não se manifestou. O iCEV, por meio de nota, justificou o recebimento dos valores:
“Além do apoio do escritório do Dr. Juarez, o congresso também recebeu patrocínio de outros três escritórios de advocacia, bem como de patrocinadores diversos.”
A instituição refere-se ao Congresso de Direito, Negócios e Tecnologia (DNT), realizado em 2023.
Repasses milionários ao novo desembargador
Um dos pontos mais sensíveis do relatório envolve a recente mudança na composição do Tribunal de Justiça. Mario Basílio de Melo, que tomou posse como desembargador em 11 de dezembro — escolhido por Fonteles a partir da lista tríplice da OAB-PI —, aparece como beneficiário de múltiplas transferências.
De acordo com o Coaf e documentos retirados do Estadão:
• R$ 90 mil foram repassados à conta pessoal de Melo em seis transferências.
• R$ 15 mil foram depositados para o escritório do advogado.
• R$ 2 milhões foram transferidos em fevereiro de 2024, conforme extrato bancário.
A versão da defesa: Pessoas próximas ao desembargador alegam que o montante de R$ 2 milhões refere-se a uma consultoria de regularização fundiária. Segundo auxiliares, Juarez Chaves havia recebido o valor adiantado, mas, devido à demora na entrega do serviço, foi substituído por Basílio de Melo, a quem o dinheiro teria sido repassado. O magistrado não quis se manifestar.
Conexão com a comunicação do governo
O relatório de inteligência também cita Mussoline Marques de Sousa Guedes, presidente da Fundação Antares e ex-secretário de Comunicação do governo até fevereiro de 2025.
Foram detectados 11 depósitos da conta pessoal do lobista para Mussoline, totalizando R$ 27,5 mil. Interlocutores afirmam que os valores são fruto de uma "assessoria de comunicação" privada prestada ao lobista, baseada em uma amizade de 20 anos, com pagamentos mensais de R$ 2,5 mil. O acordo teria vigorado mesmo durante o período em que Mussoline ocupava cargo de secretário de Estado. Ele não se pronunciou.
O esquema e o contexto político
A Polícia Federal aponta Juarez Chaves como o intermediário na compra de decisões do desembargador José James Gomes Pereira. O inquérito identificou movimentações de propina que somam pelo menos R$ 21 milhões.
Juarez integrou a equipe jurídica da campanha de Rafael Fonteles e do atual ministro do Desenvolvimento Social, Wellington Dias (PT), em 2022.
Em nota, Wellington Dias negou vínculos formais:
“Wellington Dias não deu procuração ao advogado Juarez Chaves. O referido profissional não atuou em seu registro de candidatura, nem em prestação de contas.”
O ministro afirmou que o advogado prestou serviços à coalizão partidária, e não a ele pessoalmente.
Outro lado
O advogado Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, responsável pela defesa do desembargador afastado José James e de sua filha, Lia Rachel, refutou as acusações:
“O desembargador nunca solicitou, autorizou ou compactuou com qualquer prática que violasse os princípios da legalidade. A defesa refuta qualquer juízo precipitado.”
A defesa de Juarez Chaves não comentou o caso, alegando sigilo do processo. A mãe do governador, Nereida Fonteles, não retornou os contatos, e a Defensoria Pública da União (DPU), representante do delator do esquema, não se manifestou.