Oito em cada dez propostas do governo e do Congresso não trazem estimativas de despesas

Apenas dois em cada dez projetos com impacto nas contas públicas que tramitam no Congresso foram apresentados com estimativas de custo, conforme levantamento do Movimento Orçamento Bem Gasto.
A iniciativa reúne economistas, empresários e autoridades. Recentemente, o grupo publicou um manifesto defendendo mais transparência, revisão de privilégios, desobrigação de despesas, redução de emendas parlamentares e uma nova reforma da Previdência. Entre os signatários estão Paulo Hartung, Persio Arida, Edmar Bacha, Armínio Fraga, Henrique Meirelles, Mailson da Nóbrega, Marcos Mendes e Elena Landau.
O estudo analisou propostas protocoladas no Legislativo federal entre 2011 e 2025, com foco nas apresentadas entre 2023 e agosto deste ano, além de algumas anteriores consideradas emblemáticas.
A pesquisa revela que o governo federal e o Congresso têm um forte interesse em apresentar projetos que criam ou ampliam benefícios, auxílios e isenções, especialmente em períodos pré-eleitorais, sem indicar o custo para a sociedade — o que infringe a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).
Foram contabilizadas 496 propostas que envolvem aumento ou redução de despesas, ampliação de benefícios tributários e controle de renúncias fiscais. Destas, apenas 104 — cerca de 21% — incluíam estimativas de impacto financeiro no momento da apresentação.
A LRF determina que qualquer concessão ou ampliação de benefício tributário e de gastos públicos deve vir acompanhada de uma estimativa de impacto, indicando o valor e a compensação financeira. A Constituição e a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) também reforçam essa exigência. A LDO de 2025 estabelece que essa estimativa deve ser feita na apresentação do projeto, mas muitos parlamentares só o fazem na votação — ou sequer o fazem.
A ausência desse cálculo é uma das principais razões para vetos presidenciais. Ainda assim, há casos de propostas aprovadas e sancionadas sem qualquer estimativa.
Entre os exemplos estão o Programa Nacional de Apoio aos Atingidos pelas Mudanças Climáticas (Pronamc) e o desconto no Imposto de Renda para famílias que cuidam de idosos, ambos ainda em tramitação. Outro caso foi o aumento no número de deputados na Câmara, aprovado sem estimativa de custo e vetado por Lula. Segundo a Diretoria-Geral da Câmara, a medida elevaria os gastos em R$ 64,8 milhões anuais.
“Esses resultados indicam a necessidade de reavaliar as regras do processo legislativo de matérias com impacto orçamentário, a fim de que não se tenha um trâmite que muitas vezes é longo e custoso, mas que ao final terá apenas desperdiçado recursos em projetos fadados ao veto presidencial”, afirmou o cientista político e advogado Marcelo Issa, coordenador do movimento.
Ele defende que o cálculo de impacto seja feito por uma instituição independente e que as medidas compensatórias sejam obrigatórias para aprovação. “Assim, o conflito distributivo não desapareceria, mas deixaria de ser travado no escuro. Porque se queremos gastar melhor, precisamos decidir com base no impacto orçamentário previsto; e antes das votações.”
Metade dos projetos do Executivo sem estimativas
O estudo aponta que o próprio Executivo também apresenta falhas. Das 42 propostas com impacto fiscal encaminhadas entre 2011 e 2025, 21 não traziam cálculos de custo. Apesar de um desempenho melhor que o Congresso, o governo também deixou de cumprir a exigência em metade dos casos.
Entre as medidas sem estimativas estão o pacto para retomada de obras paradas na saúde e educação e o programa de redução da fila de perícias do INSS, propostos por Lula em 2023.
No campo tributário, o governo criou o Programa Mobilidade Verde e Inovação (Mover) e promoveu o perdão de dívidas do Fies sem apresentar impacto no orçamento.
O levantamento mostra ainda que o Executivo e órgãos como tribunais e defensorias respondem por 13,9% das propostas que elevam despesas. Entre os partidos, o PT lidera com 13%, seguido de União Brasil (11,5%), PP (10,6%) e PL (9,6%).
O número de projetos que aumentam despesas e benefícios tributários cresce conforme as eleições se aproximam. Só em 2025, até agosto, já foram apresentadas 65 novas propostas, mais do que em todo 2024 (64) e 2023 (60).
Especialistas criticam oportunismo político
O economista Marcos Mendes, do Insper, avalia que a situação reflete um Congresso que domina o Orçamento e um governo pouco preocupado com o controle fiscal. Segundo ele, há uma tentativa dos dois lados de “esconder” os custos para a sociedade.
“Cada parlamentar pensa na sua eleição buscando emendas e se associando a algum grupo de lobby que vai financiar a campanha dele lá na frente. E aí tem todo o incentivo para apresentar esse tipo de projeto e esconder o custo da sociedade”, afirmou.
Ele também aponta a falta de preocupação fiscal do governo e o aumento de decisões do Judiciário que elevam gastos.
No fim do governo Jair Bolsonaro, em 2022, o Executivo propôs uma PEC elevando o Auxílio Brasil para R$ 600 sem apresentar todos os impactos fiscais. Situação semelhante ocorreu com a MP de socorro às empresas afetadas pelo tarifaço imposto pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump.
O TCU, ao analisar as contas de 2024, identificou que nove dos 19 benefícios tributários criados naquele ano não atenderam aos requisitos legais de estimativa de custo.
O consultor Hélio Tollini, ex-secretário de Orçamento Federal, afirmou: “Essa questão do impacto fiscal não é compreendida pela sociedade e isso reflete no Congresso. O parlamentar é representante do povo e o que ele ganharia se opondo a uma medida dessa?”
Tollini comparou com outros países, como Alemanha e Estados Unidos, que possuem órgãos independentes — como o CBO — responsáveis por avaliar os impactos fiscais de projetos, o que ajuda a orientar decisões políticas e econômicas.
“Aqui no Brasil é diferente. O Brasil discute política pública e tributária o ano inteiro e, no dia de mandar a proposta orçamentária, que é 31 de agosto, o projeto de lei que vai ser enviado ao Congresso é obrigado a refletir as políticas públicas vigentes naquele momento”, afirmou. “A gente acaba perdendo muito por esse aspecto técnico de não ter uma visão consolidada das contas públicas.”