Mulheres aceitam cortes salariais com a exigência de retorno ao escritório

Em 2023, Courtney Clements fez uma mudança de carreira antes impensável: aceitou um corte salarial de cerca de US$ 30 mil, deixando um cargo executivo depois que a empresa de recrutamento onde trabalhava passou a exigir presença integral no escritório. Foi um "passo atrás", disse ela. Mas ao assumir uma função de recrutamento de TI em casa, em Atlanta, poderia passar mais tempo com a filha. "Na faculdade, eu teria rido se me dissessem que não me importaria em subir na carreira corporativa", afirmou. Agora, aos 37 anos, diz que escolheria o desemprego "antes de voltar para um escritório novamente".
Essas decisões, em resposta às exigências de retorno ao escritório (RTO), parecem fazer parte de uma nova dinâmica: após décadas de redução, a disparidade salarial entre homens e mulheres voltou a crescer. Segundo o Census Bureau, as mulheres ganharam 80,9 centavos por dólar em relação aos homens em 2024, ante 84 centavos em 2022. A renda média dos homens aumentou 3,7% entre 2023 e 2024, ajustada pela inflação, enquanto a das mulheres ficou praticamente estável — a maior diferença desde 2016, segundo o Instituto de Pesquisa de Políticas para Mulheres. Pesquisadores apontam vários fatores: mulheres deixando empresas que exigem mais tempo presencial, menos opções acessíveis de cuidado infantil e mudanças na composição da força de trabalho pós-pandemia.
Um estudo com mais de 3 milhões de profissionais de finanças e tecnologia mostrou que, em companhias com presencial exigido, a rotatividade entre mulheres é quase três vezes maior que entre homens, e muitas aceitam cargos inferiores ou em outros setores. As maiores responsabilidades familiares aumentam o desejo por flexibilidade e levam mais mulheres a aceitar perdas de status, segundo Mark Ma, professor da Universidade de Pittsburgh e coautor da pesquisa. O estudo, atualizado em 2024, cobre o início do período em que a disparidade de gênero voltou a crescer. Coincide com o aumento dos esforços das empresas para trazer funcionários de volta: a fatia das companhias da Fortune 100 que exigem trabalho integral no escritório quase dobrou desde 2023, de 16% para 29%.
Como o mercado de trabalho seguia "muito aquecido" no fim de 2023, Ma acredita que a situação piorou desde então, com mais empresas impondo regras rígidas e menos vagas remotas disponíveis. Ainda é cedo para saber se os salários femininos se recuperarão ou se é uma tendência duradoura. O trabalho presencial era a norma durante os anos de redução da disparidade, antes da popularização das opções flexíveis. Muitas empresas defendem o retorno presencial por motivos culturais. CEOs como Andy Jassy, da Amazon, dizem que a medida fortalece a conexão e a inovação. O CEO da AT&T, John Stankey, afirmou em memorando que quem precisa de um modelo totalmente remoto "terá dificuldade em alinhar suas prioridades com as da empresa".
A disparidade de ganhos entre homens e mulheres diminuiu por décadas, impulsionada pela maior participação feminina no mercado e por legislações de igualdade salarial. Mas o cuidado infantil continua sendo um obstáculo. Quando as demandas aumentam, geralmente são as mulheres que interrompem a carreira — o que especialistas chamam de "penalidade da maternidade". Esse fator responde por grande parte da disparidade remanescente, segundo pesquisa publicada na Review of Economics of the Household. Quando há melhor acesso a creches, os ganhos femininos aumentam e se aproximam mais dos masculinos.
As responsabilidades de cuidado consomem cerca de US$ 295 mil em rendimentos ao longo da vida das mulheres, de acordo com o Departamento do Trabalho. Durante a pandemia, a falta de opções de creche levou mais mulheres do que homens a deixar o mercado, muitas retornando depois em cargos de nível inferior, segundo Jasmine Tucker, do Centro Nacional de Direito das Mulheres. Em 2024, os custos crescentes e a escassez de creches agravaram o quadro. Um ano de cuidado infantil para um bebê custa mais que uma faculdade estadual em grande parte dos EUA e supera o valor do aluguel em 17 estados, segundo o Instituto de Política Econômica.
A recrutadora Colleen Paulson, de Pittsburgh, diz ver cada vez mais candidatas dispostas a aceitar cortes salariais em troca de flexibilidade, especialmente diante de mandatos mais rígidos de retorno ao escritório. Entre mães de 25 a 44 anos, a proporção de trabalhadoras com filhos pequenos caiu quase 3% entre janeiro e junho de 2025, para o menor nível em três anos, segundo Misty Heggeness, da Universidade do Kansas. A queda ocorreu justamente quando grandes empregadores ampliaram as exigências presenciais, anulando ganhos recentes na participação feminina. Mulheres de renda mais alta estão deixando o trabalho, enquanto as de renda menor "não têm o luxo de se afastar", diz Heggeness. Mary Beth Ferrante, da consultoria WRK/360, afirma que muitas mulheres buscam flexibilidade, mas enfrentam falta de vagas e altos custos de creche. "Não é uma escolha real quando as opções são tão limitadas", resume.