Após flertar com centro em 2024, Boulos volta à ‘esquerda raiz’ prestes a assumir ministério

Prestes a ser nomeado para a Secretaria-Geral da Presidência, o deputado federal Guilherme Boulos (PSOL-SP) vem liderando mobilizações e embates da esquerda desde sua derrota na eleição para a prefeitura de São Paulo, no ano passado. Após adotar um tom mais moderado durante a campanha, em busca de votos ao centro, o parlamentar retomou a ofensiva contra adversários do governo Lula no Congresso, nas redes e em São Paulo, se projetando para ocupar o espaço de Márcio Macedo (PT) na pasta responsável pelo diálogo com os movimentos sociais.
Na corrida municipal, tentou se afastar do rótulo de radical, ajustando o discurso sobre temas como descriminalização das drogas e o regime da Venezuela, classificado como ditatorial. No fim da campanha, participou até de uma live com o ex-coach Pablo Marçal (PRTB), derrotado no primeiro turno, e declarou não ser “movido por mágoas”, após ter sido acusado pelo adversário de ser usuário de cocaína.
Boulos, entretanto, perdeu para o então prefeito Ricardo Nunes (MDB), que buscava a reeleição. Desde então, voltou a sinalizar um discurso mais à esquerda. No Congresso, se destacou em defesa de pautas caras ao governo, como a isenção do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil, e também de sua bancada, como o projeto que propõe o fim da escala 6x1, apresentado pela deputada Erika Hilton (PSOL).
Grupos populares
Nas redes, passou a focar em segmentos mais pobres, expandindo sua atuação do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto para trabalhadores de aplicativos, considerados decisivos na eleição de 2026. Como parte dessa linha, publicou em junho um vídeo intitulado “O que você não sabe sobre o iFood”. Na gravação, além de abordar a disputa de classes entre entregadores e a empresa, apontou ligação do grupo holandês Prosus — controlador do aplicativo — com o apartheid sul-africano e com o bilionário Elon Musk, como destacou a newsletter “Jogo Político”, do editor do GLOBO Thiago Prado.
"O iFood é controlado por esse mega grupo sul-africano que tem relações históricas com o apartheid.", disse. "Os africâners investiram depois as fortunas que acumularam às custas do sofrimento do povo negro em várias iniciativas econômicas. Uma delas é a Nasper (dona de mais de 50% das ações da Prosus). Mas outra bem conhecida é o grupo do Elon Musk. O pai dele, um africâner, era o dono de uma grande mineradora na África do Sul durante o apartheid."
Desde abril, já circulavam rumores de que ele poderia substituir Macedo, em uma articulação que deveria se confirmar após a eleição de Edinho Silva à presidência do PT, em julho. O governo, no entanto, teve que lidar antes com o tarifaço anunciado por Donald Trump. Em resposta, reforçou o discurso de soberania nacional, ecoado também por parlamentares como Boulos. Em paralelo, o deputado intensificou o embate com o bolsonarismo, apontado como articulador da medida americana, e repercutiu "escorregadas".
Um desses episódios foi a prisão de Glaycon Raniere de Oliveira Fernandes, primo do deputado Nikolas Ferreira (PL-MG), detido em abril com 30 quilos de maconha e quatro gramas de cocaína. Boulos relembrou o caso em debate com Nikolas no mês passado, logo após uma operação da Polícia Federal contra um esquema de lavagem de dinheiro do PCC envolvendo usinas de petróleo e fintechs paulistas.
"Ele poderia explicar porque mandou emenda para o tio dele, o pai do seu primo que foi preso por tráfico de cocaína. Não sei se era ele também que você estava querendo blindar na operação para defender o crime organizado agora, sabe? Por que você não fez um videozinho para explicar isso? Só faz videozinho para contar mentira."
Em São Paulo, o alvo de Boulos é o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos). Nas redes, cobra explicações por casos como o “propinão” — pagamento de propinas a auditores fiscais da Fazenda — e pelo alinhamento a Jair Bolsonaro.
"Ele já deixou São Paulo para lá, tirou a máscara, atacou o STF e só fala em anistia."
No último domingo, o deputado também criticou a articulação pela aprovação da PEC da Blindagem, em ato na Avenida Paulista contra a proposta. A manifestação levou 42,4 mil pessoas às ruas e ajudou no arquivamento do texto no Senado. Como registrou O GLOBO, no entorno de Lula houve avaliação positiva do engajamento popular, reforçando a leitura de que ter Boulos na interlocução com movimentos sociais passou a ser visto como um ativo para o governo.
Negociações retomadas
Se confirmado, o deputado substituirá Márcio Macedo, alvo de críticas públicas de Lula ao menos duas vezes pela falta de mobilização em atos como o Dia do Trabalho de 2024, em São Paulo. À época, o presidente cogitou a troca por Boulos, mas recuou. Neste ano, Macedo voltou a ser alvo de rumores sobre sua saída, e as discussões sobre a possível substituição, segundo aliados, teriam sido retomadas no mês passado.
Em reação, Macedo divulgou na quarta-feira uma nota dizendo que o assunto "nunca havia sido tratado" por Lula com ele. "O voto popular deu ao presidente a prerrogativa de fazer trocas ministeriais no momento em que ele desejar", afirmou. No texto, negou ainda a intenção de disputar vaga na Câmara no próximo ano.