Motta e Alcolumbre discordam sobre PEC da Blindagem e distanciamento pode travar pauta no Congresso

A rejeição rápida da PEC da Blindagem pelo Senado não gerou apenas desconforto entre deputados e senadores, mas também evidenciou o distanciamento entre os presidentes das duas Casas, Hugo Motta (Republicanos-PB) e Davi Alcolumbre (União-AP). Ambos não conseguiram fazer valer um acordo sobre o tema, apesar de terem atuado em parceria desde o início do ano na tramitação de pautas econômicas. O descompasso em relação à iniciativa de caráter corporativista, cujo desgaste recaiu sobre Motta, foi suficiente para que congressistas cogitassem possíveis retaliações.
Desde segunda-feira, o atrito trouxe incertezas sobre projetos prioritários para parlamentares, como a proposta de isenção do Imposto de Renda (IR) para quem recebe até R$ 5 mil e a anistia aos envolvidos nos atos de 8 de janeiro de 2023.
Com receio de que o chamado “PL da Dosimetria” enfrentasse complicações semelhantes às da PEC da Blindagem, deputados avaliaram que seria difícil votar apenas o texto do IR na próxima semana, já que a pauta estaria “contaminada”. A proposta é uma das prioridades de Motta (leia mais no box).
Nesta semana, a aprovação no Senado de um projeto alternativo de Imposto de Renda, relatado por Renan Calheiros (MDB-AL), intensificou a fissura entre as Casas. O governo enviou a proposta à Câmara, onde Motta articula a votação sob relatoria de Arthur Lira (PP-AL), seu aliado na presidência e rival político de Calheiros em Alagoas.
"Engarrafamento de MPs"
Mesmo antes da PEC da Blindagem, os dois presidentes já acumulavam atritos. Em reuniões a portas fechadas, reclamavam do “engarrafamento” de medidas provisórias e projetos que transitavam entre as Casas sem prioridade definida ou maturação adequada.
O impasse atual, portanto, não é isolado. Entre deputados e senadores, a lista de temas que revela a falta de sintonia é longa: o Código Eleitoral, que avançou na Câmara, mas foi desidratado no Senado; a regulação da inteligência artificial, com os senadores se adiantando e deixando a Câmara em segundo plano; e o Imposto de Renda, que agora segue em trilhos paralelos nas duas Casas.
Em público, Motta procurou baixar a tensão e garantiu que a proposta do IR será votada na próxima semana.
"O Senado se posicionou e bola pra frente. Temos um sistema bicameral, cabe aceitar. Não tem sentimento de traição nenhum. Já houve vários episódios em que a Câmara discordou do Senado. Isso é natural da democracia.", afirmou o presidente da Câmara.
Na noite de anteontem, ambos participaram de um jantar promovido pelo presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Luís Roberto Barroso. Segundo relatos, estiveram nas mesmas rodas de conversa, mas pouco interagiram. Questionado, Motta foi lacônico:
"Eu o vi, mas não tratamos sobre isso (Blindagem)."
Parlamentares informaram que uma reunião para recompor a relação não ocorreu. O encontro, que incluiria o relator da anistia, Paulinho da Força (Solidariedade-SP), logo após o jantar, foi cancelado.
Ciro Nogueira (PP-PI) tenta intermediar uma reunião para a próxima semana, mas interlocutores reconhecem que a desconfiança persiste e que o mal-estar já afeta a pauta da anistia, que segue em compasso de espera.
O próprio Motta admitiu que é preciso avaliar o clima da Casa antes de decidir se o tema irá ao plenário.
Na Câmara, a percepção predominante, além da insatisfação com o Senado, é que Motta vem falhando na estratégia. Segundo um aliado, a PEC da Blindagem deveria ter sido votada na mesma semana em ambas as Casas, para evitar espaço de fritura.
O interlocutor acrescenta que a maioria dos deputados não queria aprovar a PEC, mas concordou em dar aval como parte de um pacote que incluía também a urgência da anistia e o projeto do IR.
O episódio gerou críticas ao estilo de liderança de Motta, acusado por colegas de se deixar influenciar excessivamente por figuras como Lira e Ciro Nogueira.
Para esse grupo, sinais de fragilidade já existiam desde o motim de agosto e foram reforçados pela condução da blindagem. A avaliação é que Motta cedeu ao Centrão ao sinalizar a votação da urgência da anistia, ligada ao bolsonarismo, abrindo espaço para debates sobre sua sucessão em 2028.
Deputados próximos a Motta afirmam que havia um acordo político entre Republicanos, União e PP, com participação de Alcolumbre, para aprovação da PEC da Blindagem. Senadores ligados ao presidente do Senado, porém, negam que ele tenha dado a palavra final.
Pontos de embate
Aliados de Alcolumbre destacam que o texto aprovado na Câmara destoava do que vinha sendo discutido, especialmente em dois pontos considerados delicados: a retomada do voto secreto para abertura de ação criminal contra parlamentares e a ampliação do foro privilegiado para presidentes de partidos — emenda atribuída a aliados do próprio União Brasil, partido do presidente do Senado.
O Planalto, por sua vez, aproveitou a derrota para reforçar o isolamento da Câmara. De Nova York, Lula classificou a PEC como “vergonha nacional” e disse que a queda era “previsível”. Com o Centrão irritado, líderes avisam que podem endurecer e colocar em pauta temas como a PEC da Segurança e até o calendário do IR, buscando forçar alinhamento entre as Casas. Por ora, aliados recomendam cautela. Repetem que é hora de “colocar as barbas de molho” e apostam na mediação de Ciro Nogueira para reconstruir pontes.
Apesar da escalada de atritos, há quem defenda que não é interesse de deputados nem de senadores manter o clima de confronto. Interlocutores de ambos os lados lembram que a agenda legislativa depende de coordenação mínima, e a disputa constante fragiliza não apenas as lideranças, mas também as próprias Casas.
Como gesto de distensão, o Senado pode avançar nos próximos dias com a PEC que limita decisões monocráticas do Supremo, matéria considerada capaz de restabelecer algum nível de cooperação, ainda que parcial.