Ter um propósito de vida contribui para que idosos tenham um envelhecimento saudável e ativo

Folha de São Paulo
Ter um propósito de vida contribui para que idosos tenham um envelhecimento saudável e ativo Eliane Kreisler, 65, conta que desde jovem sabe que seu propósito de vida é a transmissão de conhecimento - Danilo Verpa/Folhapress

Algumas pessoas passam décadas procurando um propósito de vida — e há quem nunca o encontre. Esse, porém, não é o caso da pedagoga e consultora em gestão e carreiras Eliane Kreisler, de 65 anos. Desde jovem, ela já sabia o que a movia: compartilhar conhecimento.

Aos 15 anos, Eliane começou a trabalhar como facilitadora no Mobral (Movimento Brasileiro de Alfabetização), criado entre 1967 e 1985 com o objetivo de combater o analfabetismo no Brasil. “Foi a partir dessa experiência, e também do estágio que fiz em uma escola de educação infantil, que percebi que o que me move é dividir aquilo que sei. Isso não se limita ao campo profissional, é algo que também levo para minha vida pessoal”, afirma.

Nos últimos anos, Eliane decidiu ampliar ainda mais sua missão. Há três anos, criou no YouTube o canal LongeTalks, dedicado a temas como maturidade e longevidade. Mais recentemente, lançou o livro Reflorescer na Maturidade, escrito em coautoria com outros autores, com o intuito de ajudar, especialmente os mais velhos, a descobrir o que os inspira e motiva.

Mas, afinal, o que é propósito de vida?

De acordo com a psicóloga americana Carol Ryff, referência no assunto, propósito de vida é um "senso de direção e intencionalidade". Ela o considera uma das seis dimensões do bem-estar psicológico, ao lado de autoaceitação, relações positivas, autonomia, domínio do ambiente e crescimento pessoal.

Pesquisas realizadas por uma equipe da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) apontam que ter um propósito de vida está associado a diversos benefícios: menor risco de mortalidade, menor chance de desenvolver Alzheimer, distúrbios do sono, doenças cardiovasculares e cerebrovasculares, como infarto e AVC. Além disso, quem tem um propósito costuma ser mais resiliente, adere melhor aos tratamentos de saúde e tende a adotar comportamentos mais saudáveis, como praticar atividade física e se alimentar melhor. Também é menos propenso a hábitos nocivos como o tabagismo e o consumo excessivo de álcool.

“Ter um propósito significa estabelecer objetivos e metas. E quem tem metas cuida melhor da saúde, busca prevenção e segue com mais rigor os tratamentos, justamente porque deseja viver bem para atingir essas metas”, explica Cristina Cristovão Ribeiro, doutora em gerontologia, presidente do Departamento de Gerontologia da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia Seccional do Paraná (SBGG-PR), e organizadora do livro Propósito de Vida da Pessoa Idosa.

Segundo a especialista, esse conceito ganha ainda mais relevância com o avanço da idade, fase da vida em que muitas pessoas se aposentam, têm menos responsabilidades e um círculo social mais restrito. “Com um propósito, o idoso se sente útil e motivado. É algo que o protege contra quadros de depressão, por exemplo. Estamos vivendo mais: chegar aos 80 ou 90 anos já não é uma raridade. Mas não basta viver mais —é preciso viver com qualidade, e o propósito ajuda exatamente nisso”, afirma.

Espiritualidade e saúde física

O cardiologista Álvaro Avezum, líder do Centro Internacional de Pesquisa do Hospital Alemão Oswaldo Cruz e vice-presidente do Departamento de Espiritualidade e Medicina Cardiovascular da Sociedade Brasileira de Cardiologia, tem estudado a relação entre espiritualidade e saúde cardiovascular. Para ele, espiritualidade é um conjunto de valores mentais, emocionais e morais que orientam nossos pensamentos, comportamentos e reações diante da vida —não se trata necessariamente de religião.

Segundo Avezum, o propósito de vida está inserido nesse conjunto, junto com gratidão, perdão, otimismo, satisfação com a vida e sensação de pertencimento. E tudo isso, garante o cardiologista, pode ser medido cientificamente.

Com base nessa premissa, ele coordenou o estudo FEEL Trial (Spirituality-Based Intervention in Hypertension: Effects on Blood Pressure and Endothelial Function), que avaliou o impacto da espiritualidade sobre a hipertensão arterial. O estudo acompanhou, por três meses, 100 adultos com hipertensão leve a moderada. Um grupo recebeu apenas o tratamento convencional. O outro grupo, além do tratamento, recebeu diariamente, via WhatsApp, mensagens com vídeos e reflexões sobre propósito de vida, gratidão, perdão e otimismo.

Ao final do estudo, o grupo que recebeu as mensagens apresentou redução média de 7,6 mmHg na pressão sistólica e melhora de 7,5% na função endotelial —indicador importante da saúde vascular. No grupo controle, não houve mudanças significativas.

Para Avezum, a explicação está na forma como a espiritualidade contribui para um enfrentamento mais positivo das adversidades. Isso é especialmente relevante para pessoas mais velhas, que muitas vezes se deparam com perdas, solidão e o fim da vida profissional. “Esse enfrentamento mais leve reduz ansiedade, melhora o sono, diminui o estresse e favorece a adesão ao tratamento médico”, diz.

Histórias de quem encontrou um propósito

O psicanalista Marco D. de Paula, 65 anos, é um exemplo vivo de como o propósito transforma vidas. Seu propósito é contribuir com o bem-estar dos outros, e ele o realiza por meio do voluntariado. Desde 2009, atua como voluntário em hospitais —primeiro no Emílio Ribas e, desde 2016, como palhaço do grupo Big Riso, que visita crianças e adolescentes no Hospital Anchieta, em São Bernardo do Campo (SP).

“Colocar o nariz vermelho e entrar em um quarto hospitalar é muito mais do que levar alegria. É uma troca emocional intensa, que me fortalece e me lembra diariamente por que estou aqui”, relata.

Já Marlene Maria dos Santos Souza, de 58 anos, encontrou seu propósito ajudando os outros. Vinda do interior da Bahia, ela recebeu apoio quando se mudou para São Paulo. Anos depois, decidiu retribuir. Começou a arrecadar e doar produtos para pessoas em situação de vulnerabilidade: fraldas, móveis, cadeiras de rodas, camas hospitalares. Foi assim que nasceu a ONG Apoio Sobre Rodas, criada por ela há dois anos, em Santo André (SP).

“Não cobro nada e, se preciso, tiro do meu próprio bolso. Acordo cedo, cuido da minha casa e depois sigo para a ONG. É cansativo? Sim. Mas é algo que faço com amor. Esse é o meu propósito, e ele me faz bem por dentro e por fora”, diz Marlene.

Como descobrir seu propósito?

Se você ainda não encontrou seu propósito, não se preocupe. Sempre é tempo de buscá-lo. O primeiro passo é escutar a si mesmo: pensar no que gosta, no que te dá prazer e no que faria mesmo sem receber nada em troca.

O propósito não precisa estar ligado a grandes causas. Pequenas ações cotidianas —cuidar de um jardim, ensinar algo a alguém, conviver mais com os netos ou adotar um animal— também são expressões de propósito. Cristina Cristovão Ribeiro sugere refletir com algumas perguntas: O que me motiva? O que eu gostaria de realizar? Quais são meus sonhos ou desejos ainda não concretizados?

Prestar atenção ao que te incomoda também é útil, pois muitas vezes o propósito está ligado àquilo que queremos mudar no mundo. Conversar com pessoas que te inspiram, buscar apoio profissional e experimentar novas atividades —como trabalho voluntário, ações comunitárias ou hobbies antigos— também pode ajudar nesse processo.

E o mais importante: não se cobre demais. Encontrar o propósito não tem prazo definido. É algo que se constrói aos poucos, evolui com o tempo e pode se transformar conforme a vida avança.





















“Comece devagar. Permita-se tentar. Com leveza e sem pressa. O propósito vai surgir. E com ele, virão os ganhos para a mente, o corpo e o espírito”, conclui Ribeiro.




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