Como oncologista, tenho um conselho: não espere até a aposentadoria para aproveitar a vida

Estadão
Como oncologista, tenho um conselho: não espere até a aposentadoria para aproveitar a vida Para oncologista, não devemos postergar atividades ou experiências que trazem prazer Foto: sanechka/Adobe Stock

Sou especialista no cuidado de idosos com câncer. Esse trabalho me ofereceu a honra de estar ao lado de pessoas em momentos cruciais de suas vidas. Nessa trajetória, testemunhei não só a força e a resiliência do espírito humano, mas também aprendi lições valiosas sobre o que realmente importa para uma vida com sentido.

Sempre procurei ser um bom observador, alguém atento às histórias que meus pacientes me contavam. Afinal, eles são, sem dúvida, os melhores professores que um médico pode ter. A seguir, compartilho algumas das principais lições que aprendi com eles ao longo dos anos.


1. Não adie a vida que você deseja viver

É comum ver pacientes que dedicaram a vida ao trabalho, economizaram pensando na aposentadoria e sonharam com os momentos de lazer, de descanso e de convivência com a família. Mas, pouco tempo depois de se aposentarem, recebem um diagnóstico de câncer.

Nos Estados Unidos, a idade média em que se recebe um diagnóstico de câncer é de 66 anos — praticamente a mesma idade da aposentadoria. Isso nos mostra que não podemos viver adiando sonhos e experiências com a ideia de que haverá tempo depois.

Viaje, aproveite os pequenos prazeres, dedique-se à família, construa memórias agora. É isso o que meus colegas e eu, mesmo como médicos, tentamos colocar em prática em nossas próprias vidas.


2. Reflita sobre seus relacionamentos

Logo no início da minha carreira, passei a anotar as respostas de pacientes casados há mais de 40 anos para uma pergunta simples: Qual é o segredo de um casamento duradouro?

As respostas foram diversas. Alguns diziam, com bom humor, que dava muito trabalho. Outros fugiam da questão, preferindo focar no tratamento. Havia também os sinceros até demais: “Não encontrei ninguém melhor e me contentei”.

Mas muitos trocavam olhares afetuosos com seus parceiros, seguravam suas mãos e simplesmente diziam: “Não sei. A gente só se ama”.

Esse tipo de relação — pautada no carinho, na parceria e na presença — é algo pelo qual vale a pena lutar. E é bom refletir: quem estará ao seu lado nos momentos difíceis? E você, estaria ao lado dessa pessoa? Esses vínculos têm impacto direto, inclusive, na saúde. Um estudo recente mostrou que, embora o índice de divórcio em pacientes com câncer seja parecido com o da população geral, as mulheres diagnosticadas correm um risco muito maior de serem deixadas pelos parceiros — e, com isso, acabam recebendo menos suporte e cuidados.


3. Pergunte a si mesmo: o que é mais importante?

Sempre que inicio o atendimento de um paciente com câncer, costumo fazer uma pergunta fundamental: Quais são seus objetivos com o tratamento? E mais: Quais são seus objetivos de vida?

Alguns respondem que não querem se submeter à terapia, preferindo aproveitar o tempo restante em casa, junto à família. Outros dizem que desejam viver o suficiente para participar de eventos especiais — um aniversário marcante, o nascimento de um neto, o casamento de um filho.

Lembro-me de um paciente com dois tipos agressivos de câncer. Ele havia criado a neta como filha e o sonho dele era levá-la até o altar. Fizemos o tratamento com esse objetivo em mente — e ele conseguiu. Tenho até hoje a foto dos dois entrando na igreja: ela, de vestido branco; ele, de smoking, sorrindo com emoção enquanto se apoiava nela.

Essas metas não são pequenas — são a essência da vida. Então, enquanto você está saudável, pare um instante e reflita: O que realmente importa para mim? O que quero viver antes de partir? As respostas a essas perguntas podem (e devem) orientar suas escolhas.


4. Cuide do seu estilo de vida

Minha família tem histórico de câncer, então, desde a juventude, tomei algumas decisões preventivas. Limito o consumo de álcool, evito alimentos ultraprocessados e refrigerantes, pratico atividade física todos os dias.

Às vezes, as pessoas dizem que isso torna a vida “sem graça”. Mas, ao conversar com pacientes recém-diagnosticados, ouço uma pergunta que se repete: Será que eu fiz algo que causou isso?

Segundo estudo da Sociedade Americana do Câncer, divulgado em 2024, cerca de 40% dos diagnósticos em adultos com mais de 30 anos nos EUA estão relacionados a fatores de risco modificáveis — ou seja, hábitos de vida. Quando os pacientes percebem essa ligação, muitos expressam arrependimento profundo.

Embora não seja possível garantir que alguém vai ou não desenvolver câncer, os fatores de risco são bem conhecidos. E, pessoalmente, o prazer momentâneo de um cigarro ou bebida não compensa o risco de enfrentar uma doença tão devastadora.


5. A gentileza faz diferença, mesmo nos momentos difíceis

Talvez se imagine que, diante de uma crise de saúde, os pacientes não tenham espaço para se preocupar com outras pessoas. Mas frequentemente, ao final das consultas — após conversarmos sobre exames, efeitos colaterais, remédios —, há uma pausa. E aí, com frequência, escuto:


“E você, doutor, como está? Está cuidando da sua saúde? E sua família?”


Esses gestos de atenção, mesmo diante da dor, são profundamente tocantes. E não é só uma questão emocional: estudos mostram que a gentileza está associada a maior bem-estar, menos depressão, maior satisfação e melhores conexões sociais.

Esses pacientes, que enfrentam com dignidade e afeto os momentos mais difíceis da vida, me ensinam diariamente que a gentileza é uma forma de resistência — e talvez, a mais bonita delas.


































Essas lições não vieram dos livros. Vieram de pessoas reais, que lutaram com coragem, riram apesar da dor e amaram com profundidade. Se puder deixar um conselho, é este: não espere por um diagnóstico para começar a viver com mais propósito, mais amor e mais presença.




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