Pressão da esquerda manteve brecha que levou a fraudes no INSS

Desde a proposta da oposição pela instalação de uma CPMI para investigar as fraudes bilionárias no INSS, a regulamentação que permitiu a realização de descontos em massa e de maneira ilegal, visando desviar recursos dos aposentados, gerou uma intensa disputa nas redes sociais. Bolsonaristas acusam os membros do governo de terem planejado o roubo – com destaque para o deputado Nikolas Ferreira (PL-MG) – enquanto os auxiliares de Lula e integrantes da base governista utilizaram as redes para responsabilizar a gestão de Jair Bolsonaro pela criação das brechas legais que tornaram esses descontos possíveis.
Uma análise dos registros da Câmara e do Senado sobre a tramitação das medidas provisórias e leis envolvidas deixa claro que os parlamentares dos partidos de esquerda, que antes eram oposição, lideraram um esforço para anular trechos de MPs e decretos do governo Bolsonaro. Eles não só ampliaram os prazos para o cadastro de entidades associativas que realizavam descontos nas aposentadorias, como também afrouxaram os controles.
No final, o Palácio do Planalto aceitou um acordo proposto pelos líderes do Congresso e não vetou as emendas da oposição que haviam sido inseridas no texto. De acordo com fontes do governo anterior que participaram das discussões na época, isso foi feito para evitar que o Congresso derrubasse os vetos e deixasse o cadastro desprovido de fiscalização.
Quando as emendas da oposição (hoje no governo) foram aprovadas, o deputado Carlos Veras (PT-SP), irmão do presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), Aristides Veras, fez um discurso no plenário, ressaltando que o resultado era “fruto de vários dias de muito esforço, de muito trabalho, principalmente da CONTAG e de suas federações, do Partido dos Trabalhadores, dos partidos do campo, da Esquerda, a fim de construir uma emenda que pudesse, nesta MP 871/19, salvar os trabalhadores e as trabalhadoras”. E finalizou: “No que for possível salvar os trabalhadores, este partido lutará incansavelmente."
Conforme investigações da Controladoria-Geral da União (CGU), a Contag se destaca como a principal beneficiária dos descontos, acumulando R$ 426 milhões somente em 2023. Tanto a confederação quanto seu presidente estão sob investigação da Polícia Federal, que iniciou os trabalhos com a Operação Sem Desconto.
O esforço mencionado por Veras se concentrou, em grande parte, na aprovação da Medida Provisória 871, a primeira a abordar a questão no Congresso, sob a justificativa de “aperfeiçoar os controles do INSS e intensificar o combate a fraudes e atos de corrupção”, em 2019. A 'força-tarefa' da esquerda apresentou várias emendas, discursou de forma contundente em defesa dos descontos e chegou a obstruir votações no Congresso com o intuito de preservar a continuidade dos descontos sem supervisão.
As medidas e MPs subsequentes visaram alterar a regulamentação estabelecida pela MP 871, que foi transformada em lei após uma série de modificações aprovadas pelo Congresso e aceitas por Bolsonaro.
A MP estipulava, por exemplo, que as permissões para que entidades associativas realizassem descontos diretamente na conta dos aposentados teriam que ser revalidadas anualmente a partir de 2020, pelos próprios beneficiários.
Naquele momento, já existiam denúncias de fraudes, que foram citadas dezesseis vezes na justificativa da MP.
Entretanto, durante a discussão do relatório no Congresso, a oposição abordou as fraudes como uma justificativa de Bolsonaro para limitar os direitos dos trabalhadores.
Muitos deles, por esse motivo, sugeriram emendas que eliminaram a necessidade de revalidação ou ampliaram o prazo para o seu início, com datas que se estendiam até 2028. Várias dessas propostas substituíam a revalidação anual por uma verificação a cada cinco anos. Entre as numerosas emendas que apresentavam esse tipo de alteração, ao menos 12 – sendo oito do PT, uma do PCdoB, uma do MDB, uma do PSB e outra do PSDB – continham um texto idêntico na justificativa, que encerrava com: "Assim, revalidar cada autorização anualmente torna o desconto da mensalidade social praticamente inviável".
O mesmo raciocínio foi apresentado na reunião em que a MP foi debatida pelo senador Jaques Wagner. “Combater a corrupção ou chamar a aposentadoria indevida é bem vindo. Mas não vamos jogar a criança junto com a água suja para fora. Em todas as instituições, seja em sindicato de trabalhador, seja em sindicato empresarial, você vai achar gente boa e gente ruim. Agora você simplesmente aniquilar a participação dos sindicatos eu acho extremamente nocivo.”
Em meio à guerra com o governo pelas modificações na MP, o deputado Zeca Dirceu foi pelo mesmo caminho: “É importante esclarecer a população que essa medida provisória não vem para combater fraudes. O governo tem todos os mecanismos necessários para combater fraudes, os grandes sonegadores, enfim, para lutar contra aqueles que praticam o malfeito”, disse o parlamentar. “Por isso, vamos manter a obstrução naquilo que for necessário para que essa medida provisória não prospere, porque ela é ruim para o Brasil."
Cadastro rural
Outra briga em que os parlamentares da esquerda foram aguerridos foi a questão da comprovação da atividade rural. Eles se insurgiram contra o dispositivo da MP que acabava com a possibilidade de os sindicatos atestarem que o aposentado havia sido trabalhador rural.
Um outro lote de emendas foi apresentado para eliminar esse trecho da MP ou postergar a validade da exclusão dos sindicatos. Localizamos 18, das quais 17 são de partidos de esquerda – 11 do PT, duas do PSB, duas do PCdoB, uma do PDT e uma do Solidariedade. Uma outra foi apresentada pelo senador Espiridião Amin (PP-SC), que previa a incorporação do cadastro dos sindicatos pelo INSS e dava prazo até 2022 para a extinção da comprovação pelos sindicatos.
Na tribuna, o deputado Paulo Paim (PT-RS) pediu: “Conseguimos atenuar enormes prejuízos que estavam lá na Medida provisória 871, principalmente contra pescadores e trabalhadores rurais. Eu dizia, no meu estado, da forma que ficou, 60% dos trabalhadores rurais não vão conseguir se cadastrar até 2021, calcula a extensão do meu estado. Mas vamos pensar principalmente o Nordeste. A dificuldade vai ser muito maior. Eu tenho muita esperança de que esse plenário vote aqui o destaque que vai garantir pelo menos que até 2028 haja um espaço para cadastrar.”
Ao final, o texto aprovado no Congresso eliminou a possibilidade de comprovação por sindicatos já a partir de 2020, mas a regra não foi observada pelo INSS, nem no governo Bolsonaro e nem no governo Lula. As comprovações sindicais continuaram sendo aceitas. Muitas deram origem às fraudes agora investigadas pela PF. O cadastro do INSS deveria ter sido totalmente implantado até 2023, mas isso não não ocorreu até agora.