Acordo UE–Mercosul pode ser adiado após sinalização contrária de Itália e França
reprodução A probabilidade de adiamento da assinatura do acordo entre a União Europeia e o Mercosul, prevista para este sábado, em Foz do Iguaçu, aumentou após declarações da primeira-ministra italiana, Giorgia Meloni, de que seria prematuro concluir a negociação nos próximos dias.
Juntas, Itália e França concentram cerca de 28% da população do bloco europeu. Para bloquear formalmente o acordo, é necessário o apoio de países que representem 35% da população da União Europeia — margem considerada apertada, mas politicamente relevante.
A expectativa é de que esse cabo de guerra seja disputado palmo a palmo na reunião de cúpula da Comissão Europeia, marcada para esta quarta-feira, em Bruxelas. De um lado, França e Itália; do outro, a Alemanha, principal defensora da assinatura imediata do acordo.
Disputa vai além do comércio
Entre os países favoráveis à assinatura, o entendimento é de que o acordo ultrapassa a dimensão comercial e se insere em uma estratégia geopolítica mais ampla. A avaliação é que a União Europeia vem perdendo relevância global diante da ascensão da China e da Rússia, além da tradicional preponderância dos Estados Unidos.
Nesse contexto, o acordo com o Mercosul seria uma forma de ampliar — ou ao menos preservar — a influência europeia na América do Sul, região que tem sido alvo de investidas frequentes dos EUA, inclusive no campo militar.
— Quando falamos em jogo global, quem aparece hoje são Estados Unidos, China e Rússia. A Europa vem perdendo protagonismo. O acordo com o Mercosul é uma forma de a União Europeia manter influência na região — explica Leandro Gilio, professor do Insper Agro Global.
Estratégia de adiamento
Para Carlos Frederico de Souza Coelho, professor de Relações Internacionais da PUC-Rio e da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército, a articulação liderada por França e Itália busca evitar uma derrota formal.
— A manifestação italiana, somada à francesa, tem como objetivo evitar a votação do acordo e, assim, impedir uma rejeição formal, ainda que temporária. A própria Meloni afirmou que, com ajustes nos termos, a assinatura poderia ocorrer no início do próximo ano.
Os ajustes mencionados pela primeira-ministra italiana dizem respeito às novas salvaguardas aprovadas pelo Parlamento Europeu, que reduziram de 10% para 5% os gatilhos de variação de preços e de crescimento das exportações do Mercosul que acionariam mecanismos de proteção ao mercado europeu.
Resistência agrícola e impasse técnico
Leandro Gilio ressalta que, mesmo antes dessas mudanças, o acordo já oferecia forte proteção aos produtores agrícolas europeus — principal foco da resistência, especialmente na França. Segundo ele, as projeções indicavam aumento modesto das exportações brasileiras, entre 2% e 7%, mesmo com as regras anteriores.
— Já havia muita proteção, com cotas bastante restritivas. Não há risco de inundação de produtos brasileiros, como alegam alguns setores, especialmente na França. Se os europeus quiserem mudar os termos, será preciso voltar à mesa de negociação, pois não pode haver mudanças unilaterais. Isso deixaria a assinatura novamente sem data, em um acordo que já é negociado há 26 anos — afirma Gilio.
Papel do Brasil e expectativa final
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que atualmente exerce a presidência do Mercosul, estaria disposto a aceitar as novas condições. A avaliação, segundo reportagem de Janaína Figueiredo, de O GLOBO, é que houve elevado investimento político para o fechamento do acordo e que, diante disso, seria mais prudente assinar agora, mesmo com a possibilidade de ajustes futuros.
Resta saber qual lado prevalecerá na cúpula europeia desta semana. Dela depende se o acordo terá, enfim, um capítulo final neste sábado, em Foz do Iguaçu, ou se haverá mais um adiamento em uma negociação que já se arrasta há mais de duas décadas.