Congresso ignora STF e mantém R$ 1 bilhão em emendas com 'padrinho oculto'
Reprodução Mesmo após o Supremo Tribunal Federal (STF) bloquear pagamentos e exigir novas regras de transparência, o sistema de emendas parlamentares ao Orçamento continua operando com baixa visibilidade. Alvo de uma operação da Polícia Federal na última sexta-feira (12), o mecanismo atual ainda mantém ocultos os verdadeiros padrinhos de mais de R$ 1 bilhão em verbas.
Meses depois do acordo firmado entre os Poderes para destravar os recursos, o modelo adotado provou-se inconsistente. Uma análise realizada com base no ano de 2025 revela um cenário caótico para quem tenta fiscalizar o dinheiro público:
- Dados dispersos: As informações estão espalhadas por mais de 40 arquivos diferentes nos sites das comissões da Câmara e do Senado.
- Dificuldade técnica: Há erros de diagramação, links quebrados e formatos de arquivo (como PDFs não editáveis) que impedem o processamento de dados, mesmo com uso de inteligência artificial.
Informação desatualizada: Parte dos arquivos contém dados que já não correspondem à realidade, segundo técnicos.
A manobra das 'Emendas de Liderança'
Os portais de transparência atuais impedem a identificação de quem indicou a despesa paga. Oficialmente, a autoria aparece como sendo da própria comissão. No entanto, o levantamento identificou que quase 10% das verbas sequer identificam o autor real, mantendo o uso das chamadas "emendas de liderança".
Neste dispositivo, líderes partidários recolhem os pedidos de suas bancadas, mas assinam a destinação do recurso. Isso esconde o verdadeiro padrinho da verba, driblando a determinação do STF.
Em maio, o ministro Flávio Dino decidiu que esse mecanismo só poderia ser usado para recursos do próprio parlamentar que ocupa o cargo de líder, e não para ocultar terceiros.
O mapa do dinheiro oculto
O levantamento nas atas das comissões identificou ao menos R$ 1 bilhão escondido sob a alcunha de liderança partidária. Veja o ranking dos partidos que mais utilizaram o expediente:
• PP (Partido Progressista): Distribuiu cerca de R$ 358 milhões. A maior parte foi para o Piauí (R$ 189 milhões), estado do presidente da sigla, Ciro Nogueira.
• União Brasil: Direcionou R$ 266 milhões para 15 estados.
• Republicanos: Indicou R$ 201 milhões.
O líder do PP na Câmara, deputado Dr. Luizinho Texeira (RJ), afirmou que "todas as emendas tem seus parlamentares responsáveis" e sugeriu que o sistema pode ter vinculado de forma errada os recursos.
Já Hugo Motta (Republicanos-PB), atual presidente da Câmara, indicou R$ 180 milhões em seu nome, mas outros R$ 77 milhões foram para a Paraíba sob a rubrica do líder do Republicanos.
Operação da PF mira gabinete da Presidência
A falta de transparência culminou na operação da Polícia Federal realizada na sexta-feira (12). O alvo foi o desvio de recursos em endereços ligados a Mariângela Fialek, conhecida como Tuca. Ela coordenou a distribuição de verbas na gestão de Arthur Lira (PP-AL) e manteve o papel sob a presidência de Hugo Motta.
As buscas ocorreram inclusive em um dos gabinetes da presidência da Câmara. Para o ministro Flávio Dino, que autorizou a ação, "há elementos que indicam que, apesar da troca de comando na Câmara dos Deputados , a investigada manteria, ainda, importante papel nas já conhecidas tentativas de perpetuação do malfadado orçamento secreto".
A defesa de Tuca alegou que ela cumpria função "técnica, apartidária e impessoal". Tanto Motta quanto Lira defenderam a servidora, afirmando não haver irregularidade.
Sistema eletrônico falho
O Congresso chegou a criar o sistema eletrônico Sinec para registrar as emendas. Contudo, o acesso é exclusivo ao Legislativo. A divulgação pública depende das páginas das comissões, que nem sempre consolidam os dados corretamente.
Erros de cadastro (como CNPJ ou nome da cidade incorretos) fizeram com que parte das indicações fosse rejeitada e refeita, sem registro nas atas, gerando duplicidade de números e tornando praticamente impossível saber qual parlamentar foi beneficiado.