Transamazônica: de polo do desmatamento a 'fábrica de chocolate' da floresta
Reprodução Lendas amazônicas atribuem ao pássaro uirapuru poderes sobrenaturais: boa sorte para quem ouve seu canto e prosperidade nos negócios de quem possui um amuleto com penas da ave.
Coincidência ou não, a boa fortuna acompanha o agricultor Pedro Pereira, o Pedro da Gabriela, desde que cruzou o caminho do “músico-da-mata”.
Dono do chocolate “Canto do Uirapuru”, ele cultiva cacau em meio à vegetação nativa e mantém 200 hectares vizinhos como santuário para os uirapurus que dão nome ao produto. Pedro e os biólogos estimam haver pelo menos seis casais da ave na propriedade.
“Toda vida gostei da floresta”, conta Pedro. Em 80% da área, há plantio de cacau.
O caso de Pedro reflete uma realidade comum na Amazônia: o cacau é aliado da preservação da floresta. Hoje, o Pará é o maior produtor de cacau do Brasil, superando a Bahia, com produção de 137,46 mil toneladas anuais, movimentando R$ 7,72 bilhões.
Em Medicilândia, a produtividade chega a 1.190 kg de cacau por hectare, acima da média brasileira (483 kg/ha) e até da média africana (500 kg/ha). A cidade é considerada a “capital nacional do cacau”, transformando uma região marcada pela Transamazônica, rodovia que acelerou o desmatamento na década de 1970.
O cacau tornou-se uma ferramenta de preservação, com plantio adaptado à floresta, promovendo produção harmônica com o bioma e grande impacto social, especialmente em sistemas agroflorestais (SAFs). A espécie, nativa da Amazônia, se adapta ao clima e solo da região e é cultivada em arranjos que preservam espécies arbóreas e agrícolas.
O sistema “cabruca”, surgido na Bahia, plantava cacau entre árvores nativas, enquanto os SAFs modernos recuperam áreas degradadas pela pecuária, garantindo produção sustentável.
Pedro, migrante do Espírito Santo na década de 1980, fincou raízes no Pará em terras antes ocupadas por cana-de-açúcar. A Transamazônica trouxe impactos ambientais, mas hoje concentra a maior produção de cacau do país, atividade rentável que gera emprego, renda e captura de carbono.
A renda rural da sociobiodiversidade amazônica pode chegar a R$ 170 bilhões até 2040, com o cacau respondendo por grande parte da bioeconomia local, junto a produtos como açaí, castanha-do-pará, palmito e cupuaçu.
Para agregar valor, a Cacauway, cooperativa de agricultores, produz chocolates finos, geleias e amêndoas caramelizadas, enfrentando desafios de mercado e competição com grandes marcas.
Especialistas destacam que o cacau em sistemas agroflorestais contribui para captura de carbono, biodiversidade e regeneração do solo, mas alertam para riscos de monoculturas, que podem substituir SAFs e gerar desmatamento. A produção sustentável deve incluir consórcios com outras culturas como banana, mandioca, milho e açaí.


