Regras ambientais são afrouxadas pelo governo Lula às vésperas da COP30

A poucas semanas do início da 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP30), que será realizada em Belém (PA), o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tomou duas medidas que provocaram reação de ambientalistas e colocaram em dúvida o compromisso com a agenda ambiental.
Nesta segunda-feira (20/10), o Ibama autorizou a Petrobras a perfurar um poço exploratório no bloco FZA-M-059, na foz do Rio Amazonas, uma das cinco bacias sedimentares da Margem Equatorial, que se estende do Amapá ao Rio Grande do Norte, passando por Pará, Maranhão e Ceará.
A ação não visa extrair recursos de imediato, mas investigar se há petróleo ou gás natural em quantidade suficiente para futura exploração. Segundo a estatal, a pesquisa deve começar imediatamente e durar cerca de cinco meses.
Especialistas alertam que a exploração na região apresenta riscos relevantes ao meio ambiente, podendo afetar ecossistemas sensíveis, como os recifes amazônicos e a pluma da Foz do Amazonas — área rica em nutrientes e essencial para a reprodução marinha. Vazamentos de óleo poderiam impactar manguezais e áreas de pesca.
Decisão política
A licença do Ibama foi vista pelo governo como um trunfo político na relação com o presidente do Senado, Davi Alcolumbre. Como noticiou o Metrópoles, a medida agradou a lideranças políticas dos cinco estados da Margem Equatorial, que tendem a se aproximar de Lula na pauta da exploração do petróleo, com potencial econômico e eleitoral, mesmo diante de críticas ambientais.
O governo acredita que novas autorizações desse tipo podem ajudar a recuperar parte da base de apoio perdida na Câmara após o desembarque de partidos como União Brasil e PP. A licença do Ibama saiu em meio à expectativa de que Lula indique o advogado-geral da União, Jorge Messias, ao Supremo Tribunal Federal (STF) para a vaga de Luís Roberto Barroso, decisão que desagrada parte do Senado.
Com a autorização para a Petrobras, espera-se que a relação com Alcolumbre melhore, apesar da divergência sobre o próximo ministro da Suprema Corte. Em 15/10, Lula assinou decreto criando a Câmara de Atividades e Empreendimentos Estratégicos, grupo interministerial que assessorará na escolha de obras prioritárias, especialmente as que passarão pelo novo licenciamento ambiental.
As mudanças na Lei Geral do Licenciamento Ambiental foram sancionadas em agosto, com dezenas de vetos. Lula vetou 63 dos quase 400 dispositivos da lei aprovada anteriormente. Além disso, editou medida provisória (MP) que dá vigência imediata à Licença Ambiental Especial (LAE), instrumento que simplifica o licenciamento de projetos estratégicos.
O novo conselho do governo, com vários órgãos da Esplanada, deve acelerar a análise de grandes projetos, inclusive os que impactam diretamente biomas do país.
Críticas
As duas decisões acontecem em momento estratégico, com os olhos do mundo voltados para a COP30. Enquanto o governo projeta liderança global na pauta climática, especialistas alertam para retrocessos que podem comprometer os compromissos firmados durante a conferência.
Marcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima, afirma que a condução de Lula é contraditória. “É um governo que faz questão de trazer a COP para o Brasil e depois libera uma licença de petróleo na véspera. É um governo que diz que atuou para evitar a derrubada dos vetos do licenciamento, e logo na sequência faz o decreto para acelerar o licenciamento especial, que também vai ser alvo de judicialização”, declarou.
“O governo é cheio de contradições, e essas contradições na véspera de uma Conferência do Clima, elas ficam ainda mais no holofote. O que a gente espera do Brasil, é que o Brasil tenha mais retidão na defesa do meio ambiente. Obviamente, essas circunstâncias colocam um balde de água fria nas expectativas da conferência”, completa.
Segundo Astrini, a criação da Câmara está ligada à tentativa do governo de agradar Davi Alcolumbre, um dos principais fiadores do projeto de exploração de petróleo na Foz do Amazonas, que gerará receita para o Amapá, estado natal do senador.
André Guimarães, diretor executivo do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM), avalia que combustíveis fósseis, como o petróleo, precisam ser “eliminados” da economia global e que o Brasil tem responsabilidade de liderar esse processo.
“O Brasil é um país que depende das florestas para a agricultura e a geração de energia. Mais petróleo, mais combustíveis fósseis queimados, mais carbono na atmosfera, florestas mais secas e suscetíveis ao fogo, e prejuízos para o país”, explicou. Segundo Guimarães, o governo deveria priorizar alternativas ao petróleo em vez de autorizar novas áreas de exploração.
Camila Jardim, especialista em política internacional do Greenpeace, alerta que flexibilizar leis ambientais pode gerar consequências graves para governos futuros. “Enfraquecer os mecanismos institucionais, os trâmites legais que garantem o devido licenciamento, é muito preocupante. O desenvolvimento do país depende também dessa nossa casa estar de pé”, afirmou.
Ela destaca que tais medidas enfraquecem a imagem do Brasil globalmente e reduzem sua capacidade de estimular outros países a adotarem ações ambiciosas na COP30. Jardim ressalta que o Brasil é autossuficiente em petróleo e um dos maiores exportadores da matéria-prima. “Não é como se o Brasil estivesse na mesma posição de outros países em desenvolvimento”, concluiu.
“O Brasil tem uma vantagem competitiva muito grande no contexto dos combustíveis não renováveis, e perde a oportunidade de liberar esse debate para continuar investindo na economia do passado. É uma pena”, completou a especialista.