Mesmo pedindo transferência, Fux ainda quer julgar se Bolsonaro vai para a Papuda

Mesmo tendo solicitado sua transferência da Primeira para a Segunda Turma, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luiz Fux pretende continuar participando dos julgamentos envolvendo os núcleos da trama golpista — incluindo a análise dos recursos de Jair Bolsonaro contra a decisão que o condenou, no mês passado, a 27 anos e três meses de prisão por liderar uma organização criminosa que tentou impedir a posse de Lula.
A decisão final caberá ao presidente do STF, Edson Fachin, com quem Fux pretende “construir uma solução” para seguir nos casos, caso a mudança de turma se concretize.
O ministro quer migrar para a Segunda Turma após a vaga deixada pela aposentadoria antecipada de Luís Roberto Barroso, que encerrou sua atuação na Corte na última sexta-feira (17). Fux pretende, assim, “pegar” o assento de Barroso na Segunda Turma, mas sem deixar de acompanhar os julgamentos da trama golpista que tramitam na Primeira.
A interlocutores, Fux tem afirmado que continua vinculado a todos os julgamentos relacionados à trama golpista, inclusive revisões criminais e recursos. Situação semelhante já ocorreu quando ministros pediram vista e depois retornaram para votar em processos anteriores.
Ainda assim, técnicos do STF ouvidos de forma reservada colocam em dúvida a permanência de Fux nesses julgamentos.
“Os embargos de declaração [tipo de recurso], em princípio, marcam um novo julgamento, então pode continuar a análise do caso com uma composição diferente da Turma, sem que o integrante que deixou o colegiado precise participar das decisões”, afirmou um integrante da Corte familiarizado com o regimento interno. “O juízo natural diz respeito ao órgão [Turma], não à sua composição.”
Os recursos de Bolsonaro são considerados decisivos para definir seu destino, já que caberá à Primeira Turma decidir se o ex-presidente cumprirá pena no complexo penitenciário da Papuda ou em prisão domiciliar, como defendem seus aliados.
O relator da trama golpista, ministro Alexandre de Moraes, pretende concluir a análise do “núcleo crucial” e definir a situação de Bolsonaro ainda neste ano, para evitar a proximidade com o calendário eleitoral.
Revisão
Para isso, o STF precisa antes publicar o acórdão da decisão que condenou o ex-presidente — o que deve ocorrer até meados de novembro, segundo previsão regimental. Todos os ministros já liberaram seus votos para publicação, exceto Fux, que pediu, na semana passada, uma revisão para corrigir erros gramaticais em seu voto.
O gabinete do ministro sinaliza que o voto será liberado “logo”, sem comprometer o cronograma de Moraes para concluir o caso ainda neste ano.
Desgastes
O movimento de Fux surpreendeu colegas do STF, como revelou a colunista Bela Megale, e foi interpretado nos bastidores como uma tentativa de se afastar do desgaste gerado por suas posições na Primeira Turma — onde tem ficado isolado por divergir de Moraes, defendendo absolvições, inclusive de Bolsonaro, e penas menores, como no caso da cabeleireira Débora Santos, que escreveu com batom na estátua da Justiça em 8 de janeiro de 2023.
Nesta terça-feira, o isolamento de Fux voltou a aparecer: ele foi o único dos cinco integrantes da Primeira Turma a votar pela absolvição dos réus do núcleo 4, acusado pela Procuradoria-Geral da República (PGR) de espalhar fake news em apoio à organização criminosa que tentou o golpe de Estado.
O regimento interno do STF estabelece que um ministro “tem o direito de transferir-se para outra onde haja vaga; havendo mais de um pedido, terá preferência o do mais antigo”. Na Primeira Turma, apenas Cármen Lúcia tem mais tempo de atuação que Fux.
Em 2021, após a aposentadoria de Marco Aurélio Mello, Cármen fez o movimento oposto: saiu da Segunda Turma, responsável pelos casos da Lava-Jato, e foi para a Primeira, onde permanece. Por isso, é considerado improvável que ela decida voltar e, assim, atrapalhar os planos de Fux.