Vereador do PL usou emendas para bancar atos bolsonaristas em SP

O vereador Gilberto Nascimento Jr. (PL-SP) destinou R$ 478 mil em emendas parlamentares para custear a infraestrutura de três manifestações bolsonaristas realizadas na avenida Paulista, em São Paulo, neste ano.
O que aconteceu
Nascimento destinou três emendas para atos em apoio ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e em favor da anistia. Os recursos públicos vieram da Secretaria Municipal de Turismo de São Paulo e foram liberados poucos dias antes das manifestações, com aval técnico da gestão de Ricardo Nunes (MDB). Confira os valores e datas dos protestos:
6 de abril: R$ 190.000,00
29 de junho: R$ 142.754,11
3 de agosto: R$ 145.710,92
Nos documentos oficiais, Nascimento não detalhou o destino dos recursos. Na descrição das emendas aparece apenas a palavra "evento", sem menção às manifestações. O formulário usado para formalizar a indicação traz apenas data, horário e local — a rua Peixoto Gomide, onde os atos bolsonaristas costumam ocorrer.
Os campos referentes ao beneficiário da emenda, como CNPJ, razão social ou endereço, não foram preenchidos. Também não foram informados objetivo da proposta, justificativa e metas, conforme exige a legislação. Todos os campos foram detalhados em outras emendas apresentadas por ele.
Procurado pelo UOL, Nascimento afirmou que as emendas atenderam a todos os requisitos legais para a liberação dos recursos. A assessoria do vereador declarou que a cidade recebe frequentemente grandes eventos que exigem equipamentos para organização da multidão e manutenção da segurança pública. "No melhor interesse do município, enviamos recursos para a contratação de grades e torres de observação (solicitação da PM), passa cabos, água mineral, banheiro químico, ambulâncias, etc", disse.
Os recursos teriam sido usados para aluguel de banheiros químicos e ambulâncias, por exemplo. Para o ato de 3 de agosto, segundo documento apresentado, foram contratados:
150 caixas de água mineral com 48 copos cada: R$ 9.121,50
3 ambulâncias de remoção: R$ 2.410,20
1 ambulância UTI: R$ 2.366,60
42 banheiros químicos: R$ 11.453,82
Conjunto com 8 mesas e 32 cadeiras: R$ 533,74
1.000 grades: R$ 36.950,00
1.650 kits lanche: R$ 19.965,00
50 passa cabos: R$ 2.499,50
40 plotagens digitais: R$ 4.834,80
Diárias de 4 produtores executivos: R$ 10.520,08
8 torres de observação: R$ 9.312,00
Inicialmente, Nascimento havia destinado R$ 230 mil para o ato de 29 de junho, mas depois reduziu o valor para R$ 142 mil. "A alteração se deve ao recebimento do orçamento por parte dos produtores do evento, que contemplou todos os itens com um valor abaixo do previsto", informou.
A Secretaria Municipal de Turismo registrou o evento como "Movimento nas Ruas - AVEC". A Avec é a Associação Vitória em Cristo, do pastor Silas Malafaia, principal organizador dos atos. O Movimento nas Ruas, ligado a políticos de direita, também participa.
Malafaia negou que a associação tenha recebido recursos. "Não recebemos dinheiro nenhum, não foi depositado dinheiro nenhum nas contas da Avec. Eu desafio quem quiser provar que eu recebi dinheiro. Pelo que eu sei, são recursos destinados à proteção da cidade. É grade, torre de vigilância, lanche para a Polícia Militar", disse ao UOL.
Segundo ele: "A associação nunca botou um real em nada. Nunca saiu dinheiro da associação para o evento em si. Só usamos o nome da associação para poder marcar o evento, porque tem que ter uma entidade como responsável".
Em fevereiro de 2024, Malafaia afirmou que a associação financiaria um dos atos. Depois, disse que as despesas seriam pagas com recursos próprios. "Não tem recurso de político, não tem recurso de caixa dois ou seja lá de onde quer que seja", declarou.
A portaria conjunta da Secretaria Municipal da Casa Civil e Secretaria de Governo, de 11 de dezembro de 2023, prevê que "não serão avaliadas, em hipótese alguma, as solicitações de execução de emenda relativas à realização de ações de cunho partidário".
Especialistas afirmam que o uso de emendas do vereador é ilegal por se tratar de evento político-partidário. Fernando Neisser, professor de direito na FGV, explicou: "É possível que existam verbas públicas destinadas a garantir a segurança de eventos públicos. O que não é possível é que exista um direcionamento para um determinado tipo de evento para um determinado grupo político. Aqui a gente estaria tendo um uso de recursos públicos para instrumentalizar e beneficiar eventos organizados por determinado grupo político, seja ele qual for. A prefeitura tem o dever de garantir a segurança e salubridade de todos os eventos, não há necessidade de emenda".
A Prefeitura de São Paulo afirmou que a emenda "solicita o apoio de infraestrutura necessária à realização do evento". "Cabe à prefeitura, por meio dos órgãos competentes, garantir a ordem pública, a segurança e a integridade física dos participantes, independentemente da temática ou natureza da manifestação", concluiu.
Quem é Gilberto Nascimento Jr.
Nascimento cumpre seu terceiro mandato como vereador. É filho do deputado federal Gilberto Nascimento (PSD-SP), líder da bancada evangélica e aliado de Silas Malafaia. Foi Secretário de Desenvolvimento Social do governo de Tarcísio de Freitas, mas deixou o cargo em 2024 para disputar a reeleição.
Manifestações tiveram ataques ao STF e defesa da anistia
O ato de abril teve como principal tema a defesa da anistia. Manifestantes exibiram batons e cartazes em referência ao caso da cabeleireira Débora Rodrigues dos Santos, que participou dos atos golpistas e pichou uma estátua do STF.
Sete governadores participaram: Romeu Zema (Novo-MG), Jorginho Mello (PL-SC), Tarcísio de Freitas (Republicanos-SP), Ronaldo Caiado (União-GO), Wilson Lima (PL-AM), Ratinho Jr. (PSD-PR) e Mauro Mendes (União-MT). O prefeito Ricardo Nunes também esteve presente.
No ato de 29 de junho, Bolsonaro pediu aos apoiadores ajuda para eleger 50% do Congresso em 2026. "Me deem isso que eu mudo o destino do Brasil", disse. Malafaia chamou Alexandre de Moraes de "ditador da toga" e defendeu o impeachment do ministro do STF.
A manifestação de 3 de agosto ocorreu um dia antes de Moraes determinar a prisão domiciliar de Bolsonaro. Ele já cumpria medidas cautelares e não compareceu. O deputado Nikolas Ferreira (PL-MG) pediu a prisão do ministro e contatou Bolsonaro por vídeo.