STF julga criação de imposto sobre grandes fortunas
Presidente da corte retoma ação que questiona omissão do Congresso desde 1988

O STF (Supremo Tribunal Federal) deve analisar no próximo dia 23 se o Congresso descumpre a Constituição ao não criar uma lei que regulamente o IGF (Imposto sobre Grandes Fortunas). A inclusão do tema na pauta foi feita pelo ministro Edson Fachin, em uma das primeiras decisões após assumir a presidência da Corte, em 29 de setembro.
Previsto na Constituição de 1988, o IGF é um tributo de competência da União, o que quer dizer que ele só pode ser criado pelo governo federal, e depende de lei complementar para começar a valer. A ideia é que ele incida sobre patrimônios de alto valor, como bens, aplicações financeiras e imóveis, acima de determinado limite.
A Constituição autoriza sua criação, mas não define quem pagaria nem quais seriam as alíquotas — esses critérios teriam de ser fixados pelo Congresso.
O caso que será julgado agora tem origem em uma ação do PSOL, a ADO (Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão) 55, apresentada em 2019. O partido pede o reconhecimento da omissão legislativa, ou seja, que o Supremo declare que o Congresso descumpre a Constituição ao não ter editado, até hoje, uma lei complementar para regulamentar o IGF.
O PSOL argumenta que a Constituição determina sete impostos federais, dos quais apenas o sobre grandes fortunas ainda não foi regulamentado.
Para o tributarista Alexandre Teixeira Jorge, do BBL Advogados, a não instituição do IGF não configura uma inconstitucionalidade, pois o exercício da competência tributária é uma faculdade, e não uma imposição.
Mariana Pinheiro, advogada tributarista, também afirma que a ADO não tem potencial técnico para obrigar o Congresso a legislar, mas diz que a ação pode ser catalisadora do debate público.
“Ela pressiona o sistema político a se posicionar diante da inércia histórica, elevando o custo político de continuar ignorando uma cláusula constitucional que, embora facultativa, está impregnada de legitimidade social”, afirma.
Na prática, a procedência da ação abriria caminho para que o STF cobre do Legislativo que tome providências para elaborar a norma.
O relator original da ação foi o ministro Marco Aurélio Mello, já aposentado, que havia votado pelo reconhecimento da omissão.
O julgamento, iniciado em 2021 no plenário virtual, foi interrompido por um pedido de destaque feito pelo ministro Gilmar Mendes, e agora retorna à pauta do plenário físico, onde recomeçará do zero.
Para os autores da ação, a ausência da regulamentação do IGF por mais de três décadas representa descumprimento de um dever constitucional. Para críticos, a regulamentação é uma escolha política do Congresso e não pode ser imposta pelo Judiciário.
Essa não é a primeira vez que o tema chega ao STF. Em 2015, uma ação semelhante, a ADO 31, foi protocolada pelo então governador do Maranhão e atual ministro do STF, Flávio Dino. Na época, o Supremo sequer chegou a discutir o mérito da questão, entendendo que o autor não tinha legitimidade para apresentar a ação.
O caso tem semelhanças com outras ações em que o Supremo decidiu diante da inércia legislativa, como no reconhecimento da homofobia como crime de racismo. Na ocasião, também houve o entendimento de que a omissão do Congresso impedia a eficácia plena da Constituição. Se seguir essa linha, a Corte pode determinar que o Legislativo tome providências para regulamentar o imposto.
Além da importância fiscal e política do tema, o julgamento marca o início da gestão de Fachin com um sinal claro de disposição para enfrentar temas historicamente negligenciados pelo Congresso.
A decisão pode ter efeitos apenas simbólicos, ao pressionar politicamente o Congresso, ou concretos, caso o STF fixe prazos para a aprovação da norma.
O julgamento também deverá refletir divergências internas no tribunal sobre os limites da atuação judicial em matérias tradicionalmente legislativas.
Do ponto de vista tributário, a eventual criação do imposto sobre grandes fortunas enfrenta desafios técnicos e políticos. A definição do que constitui uma “grande fortuna”, a base de cálculo, alíquotas e mecanismos de fiscalização são pontos que geram resistências.
“Exige a definição de uma materialidade que não se confunda com a de outros tributos e de uma base de cálculo que não produza efeito confiscatório”, explica Teixeira Jorge.
Segundo o advogado, há também questões operacionais relevantes, como avaliar se os custos de fiscalização compensariam a arrecadação potencial, dado que esse tipo de tributo costuma estimular a migração de domicílio fiscal e a retração de investimentos.
Além disso, o tema mobiliza fortes reações no Congresso e em setores econômicos, especialmente por parte de parlamentares contrários à elevação da carga tributária sobre grandes patrimônios. Argumentos frequentes vão desde o risco de fuga de capitais até o impacto sobre investidores e empresários.
Esse debate ganhou novo fôlego com a recente aprovação, na Câmara, do projeto que amplia a isenção do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5.000. O texto também prevê desconto no imposto para rendas entre R$ 5.000 e R$ 7.350 mensais. Como compensação, estabelece a criação de um imposto mínimo de 10% sobre a alta renda.
A medida compensatória mira 141 mil contribuintes que, embora tenham rendas elevadas, recolhem em média apenas 2,5% de IR — menos do que pagam, proporcionalmente, policiais (9,8%) e professores (9,6%).
A proposta busca compensar a desoneração da base da pirâmide e corrigir distorções históricas no sistema, que concentra a carga tributária sobre o trabalho e isenta lucros e dividendos. Ainda em tramitação no Senado, o projeto é apontado pelo governo como um passo rumo à justiça fiscal, mas conta com resistências de parte dos deputados.
De acordo com Teixeira Jorge, a proposta de taxação mínima sobre a renda pode funcionar como uma alternativa mais eficiente ao imposto sobre grandes fortunas. Isso porque a tributação de renda, por ser dinâmica, tende a ser menos distorciva do que a incidência sobre o patrimônio, considerado estático e de difícil mensuração.
Embora a tributação da alta renda venha ganhando espaço no Legislativo, a criação de um imposto específico sobre grandes fortunas nunca avançou no Brasil — mesmo em momentos de crise fiscal ou forte pressão por equilíbrio nas contas públicas.