Após ameaças de Trump, Lula afirma: “O BRICS está incomodando”

No encerramento da cúpula do Brics, realizada nesta segunda-feira no Museu de Arte Moderna (MAM), no Rio de Janeiro, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva reafirmou a importância estratégica do bloco formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul — agora ampliado com novos membros — e afirmou que o grupo representa uma tentativa de reorganizar a política global sob novos paradigmas. Sem citar nominalmente o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, Lula reagiu a ameaças comerciais feitas pelo republicano e disse que o Brics “está incomodando”.
“Somos um grupo de países querendo criar outro jeito de organizar o mundo. O Brics não nasceu para afrontar ninguém, é um outro momento de fazer política”, declarou o presidente brasileiro. “Não queremos mais um mundo tutelado, não queremos mais guerra fria, não queremos mais desrespeito à soberania, e por isso estamos discutindo com muita profundidade a necessidade de uma mudança estruturada, inclusive no estatuto da ONU.”
As declarações ocorrem no mesmo dia em que Trump, por meio de sua rede Truth Social, anunciou uma nova tarifa de 10% a ser aplicada sobre qualquer país que se alinhe com o que chamou de “políticas antiamericanas do Brics”. O ex-presidente americano também acusou o grupo de promover uma “caça às bruxas” contra Jair Bolsonaro, referindo-se aos processos que o ex-presidente brasileiro enfrenta no Supremo Tribunal Federal por suposta tentativa de golpe.
“Qualquer país que se alinhar com as políticas antiamericanas do BRICS será taxado com uma TARIFA ADICIONAL de 10%”, escreveu Trump, acrescentando: “Não haverá exceções a essa política.”
O Brics, por sua vez, expressou “sérias preocupações” com o aumento de tarifas unilaterais impostas por Washington. Em sua declaração final, o grupo alertou para o impacto global dessas medidas: “A proliferação de ações restritivas ao comércio, seja por meio do aumento indiscriminado de tarifas e medidas não tarifárias, ou do protecionismo sob o pretexto de objetivos ambientais, ameaça reduzir ainda mais o comércio global, desorganizar cadeias de suprimentos e introduzir incertezas nas atividades econômicas e comerciais internacionais.”
Segundo o Tesouro americano, as sobretaxas anunciadas em abril entrarão em vigor a partir de 1º de agosto para os países que não firmarem acordo com os EUA até o fim desta semana. O Brasil foi atingido com a tarifa mínima de 10%, enquanto China, Índia e África do Sul sofreram sanções mais severas, com taxas superiores a 20%, e no caso da China, superiores a 140%.
Questionado sobre os ataques de Trump ao Brasil e o apoio declarado do ex-presidente americano a Jair Bolsonaro, Lula evitou polemizar. “Não vou comentar essa coisa entre Trump e Bolsonaro. Tenho coisas mais importantes para comentar do que isso. Esse país tem leis, regras e um dono chamado povo brasileiro, portanto dê palpite na sua vida, e não na nossa.”
Críticas à ONU e riscos de conflitos
Lula também aproveitou o discurso de encerramento da cúpula para alertar sobre o atual cenário geopolítico internacional, que classificou como o mais instável desde a Segunda Guerra Mundial. O presidente criticou o enfraquecimento da ONU diante de conflitos armados e cobrou uma nova governança multilateral capaz de atuar preventivamente em crises.
“Vivemos hoje, depois da Segunda Guerra Mundial, o maior perigo de conflito entre os países”, afirmou. “Há guerras espalhadas por todo lado. Desde a invasão da Líbia, da morte do [ditador Muamar] Kadafi, até a guerra com a Ucrânia, ninguém pede licença para fazer guerra. A ONU perde credibilidade e autoridade para negociar. Então quem negocia? No caso de Rússia e Ucrânia, não existe uma instituição capaz de sentar na mesa, fazer uma avaliação ou uma proposta.”
Lula defendeu que o Brics contribua para a criação de uma nova ordem internacional mais inclusiva, com maior participação do Sul Global. Entre os temas centrais da cúpula, estiveram o fortalecimento de mecanismos financeiros alternativos e a regulação da inteligência artificial, pauta que vem ganhando protagonismo nas discussões do grupo.
“A proposta é construir uma governança global mais justa e democrática, em que todos os países possam participar das decisões que afetam o planeta”, concluiu o presidente.