Embaixadora da juventude leva pauta do racismo ambiental para a COP30

Carioca de Realengo, na zona oeste do Rio, Marcele Oliveira, 26 anos, despertou para a crise climática ao notar a disparidade entre as áreas verdes das periferias e as regiões nobres da cidade, e como essa desigualdade agravava o calor e outros problemas urbanos nas áreas marginalizadas.
Formada em Produção Cultural pela UFF (Universidade Federal Fluminense), Marcele transformou essa percepção em ativismo. Participou das COPs (Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas) no Egito (2022) e no Azerbaijão (2024), e, em maio deste ano, foi escolhida como Campeã de Juventude da COP30, que será realizada em novembro, em Belém.
Na entrevista abaixo, Marcele conta sobre as desigualdades geradas pelas mudanças climáticas, explica o papel de uma Campeã da Juventude e as pautas que representarão no encontro.
Ecoa: Como você começou a se interessar pelo ativismo climático?
Marcele Oliveira: Eu sou de um bairro chamado Realengo, na zona oeste do Rio de Janeiro, onde a luta por um parque verde transformou a forma como eu enxergava a luta ambiental. Enquanto eu atravessava meu bairro para acessar uma universidade, que ficava fora da cidade, observava que nas zonas periféricas tinha menos árvores que nas zonas nobres.
Isso também impactou o calor que a gente sentia e o entendimento do quanto o verde e a natureza eram importantes para a gente, pensando que eu sou uma pessoa periférica no contexto urbano. Então, como ter uma vida boa se a gente não tiver árvore, não tiver sombra, não tiver qualidade de vida por perto?
Isso parecia meio inviável, e por conta disso, a luta pelo parque foi transformando o meu entendimento em relação à luta climática, e eu me transformei em ativista climático, pensando também na relação entre cultura e clima, em como proteger a natureza precisa fazer parte da nossa cultura.
E como você se preparou para atuar com isso profissionalmente?
Meu trabalho começa quando eu me engajo nesse movimento dentro do meu território. E depois, junto com outras organizações de juventude, a partir de uma conexão com a agenda 2030, fazendo relatórios, construindo engajamento da juventude através de eventos, de participação em conferências e com a coalizão clima de mudança. Então, eu entendi a importância de me relacionar com o contexto internacional e entrei no programa jovens negociadores pelo clima da Secretaria de Meio Ambiente do Rio de Janeiro.
A partir daí, comecei a ter um engajamento ainda mais forte no campo internacional, construindo uma pesquisa de cultura e clima também como uma estratégia de resistência, resiliência e adaptação para os territórios. Quando saiu o edital, entendi que isso é um valor que precisa ser agregado à agenda de combate à mudança do clima.
Como sua experiência de vida e de trabalho moldam seu ativismo?
A gente só protege aquilo que a gente ama. Então, os lugares por onde a gente passa, as histórias que a gente ouve, os biomas que a gente conhece ou que a gente deixa de conhecer, tudo isso fala sobre como o nosso ativismo vai ser, se ele vai ser um ativismo que vai falar somente dentro das bolhas ou que vai falar com a realidade dos territórios.
Isso quer dizer que o meu ativismo não é sobre proteger somente a Amazônia, ele é sobre proteger também a Mata Atlântica que é o meu bioma, proteger todos os biomas onde eu vejo os meus amigos engajados falando da importância que aqueles territórios têm para eles.
O meu ativismo é moldado pela nossa urgência, pela desproporcionalidade dos impactos das mudanças climáticas no dia a dia das juventudes periféricas e, ao mesmo tempo, na ação climática que a gente produz dia a dia dentro dos nossos territórios, fazendo educação climática na prática, aumentando a conscientização. Meu ativismo tem o pé no chão, no território, mas também tem a boca no mundo para poder dizer aquilo que tem que ser aqui.
Quais são as responsabilidades de uma Campeã da Juventude na COP?
A carga de jovem campeão climático dentro da presidência da COP30 é estratégica para fazer a ponte entre os constituintes de juventude que existem na ONU [Organização das Nações Unidas], considerando a de crianças e adolescentes que é YOUNGO, mas também o Fórum Indígena e todas as movimentações que as juventudes organizadas fazem dentro e fora do processo da UNFCCC [Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, em português].
Então é uma carga de conexão, de construção de pontes e de contribuição para que a COP30 e todas as COPs que ainda virão tenham mais a cara e a urgência que os jovens da nossa geração precisam, seja na infraestrutura, nos diálogos que são feitos ou nas credenciais que são oferecidas.
É um apoio logístico, mas também narrativo sobre como uma conferência de mudança do clima tem que ser. Não pode ser só da boca para fora, tem que exigir das partes ações decisivas e urgentes para enfrentar a mudança do clima e proteger o nosso futuro.
Agora falando sobre o país, o que você acha que falta nas discussões sobre o clima do Brasil?
O Brasil precisa enfrentar o racismo ambiental, garantindo a demarcação das terras e comunidades indígenas, afastando os combustíveis fósseis, contribuindo com a educação climática dentro das escolas e valorizando a cultura brasileira como estratégia também de transformação, porque tem uma cultura vigente que é de destruição.
Então, por que não mudar essa cultura através também dos esforços do governo — não porque vai receber uma COP, mas porque essa é uma demanda da nossa geração? A COP30 é apenas um momento. O que a gente precisa são esforços que vão além dos ocultos do evento e chegam de fato aos territórios.
Qual a maior contribuição que a juventude pode trazer para a discussão climática?
As juventudes e as crianças estão entre os grupos mais afetados pela crise climática. Apenas em 2024, o estudo realizado pela UNICEF, intitulado Learning Interrupted: Global Snapshot of Climate-Related School Disruptions in 2024, revelou que, em 85 países, pelo menos 242 milhões de estudantes tiveram suas rotinas escolares interrompidas por eventos climáticos extremos, como ondas de calor, ciclones, tempestades, inundações e secas.
Diante desse cenário, torna-se mais urgente do que nunca incluir as vozes de crianças, adolescentes e jovens nos processos decisivos sobre o clima. Afinal, são esses grupos que já sofreram — e continuarão sofrendo por mais tempo — os impactos das mudanças climáticas em sua saúde, educação, emprego e renda.
Em todo o mundo, a juventude já está liderando iniciativas que trazem debates técnicos e necessários como: adaptação climática; racismo ambiental; revisão das NDCs (Contribuições Nacionalmente Determinadas); e a necessidade de financiamento, cultura, inclusão e escuta eficaz das novas gerações. Seja por meio de conferências locais e regionais, da atuação em espaços de influência — como o GT de Juventudes da Frente Parlamentar Ambientalista —, ou por meio de organizações da sociedade civil, jovens e crianças já estão construindo soluções.
No entanto, não basta sermos tratados como meras figuras decorativas em eventos. Precisamos de espaço real de participação, onde nossas ideias sejam incorporadas às políticas públicas. Há infâncias e jovens transformando o mundo, só precisam ser ouvidas e consideradas tanto na decisão quanto na discussão.
Você falou que o maior desafio da COP é uma lacuna entre o que é discutido nos eventos e nas reais necessidades das comunidades. Como você acha que a COP30 pode vencer essa barreira?
Conectando a realidade dos jovens periféricos com o debate da política climática através do debate de sistemas alimentares, que na verdade é o nosso direito a uma alimentação saudável; trazer o debate real sobre os eventos climáticos extremos a partir da visão das periferias, baixadas, terras indígenas, quilombolas… É preciso entender que as lacunas que existem excluem povos e pessoas.
A ideia do Mutirão Global é justamente a união através da mobilização territorial que acontece todos os dias em várias partes do mundo. Unir e fortalecer o debate climático é também falar de fortalecer essas pessoas que estão à margem das investigações e decisões. Falar do Mutirão como um processo coletivo da COP30 é falar de uma solução que é construída no território e que precisa ser protagonista não só na COP, mas também ser o palco das juventudes e infâncias.