De vereadora à majoritária? Aava Santiago ensaia salto na centro-esquerda goiana

A movimentação da vereadora Aava Santiago (PSDB) no cenário político goiano sinaliza uma mudança significativa tanto nos rumos do partido quanto nas possibilidades de composição de forças para as eleições de 2026. Embora o discurso público da parlamentar seja moderado e institucional, nos bastidores Aava tem buscado um lugar de protagonismo dentro do partido em busca de uma posição política à sua altura. Sua postura sinaliza um tensionamento estratégico entre renovação e manutenção da hierarquia interna tucana, o que pode definir os rumos não apenas de sua carreira política, mas também da trajetória do PSDB no estado.
Apesar de ser cotada para disputar uma vaga na Assembleia Legislativa, a movimentação de Aava — dialogando com lideranças de outras legendas, posicionando-se em temas nacionais e adotando um discurso inclusivo e social — indica pretensões maiores. Conforme mostrou o Jornal Opção, a vereadora estaria se preparando para um salto mais ambicioso, mirando uma candidatura majoritária, seja ao Senado ou ao governo do Estado, mesmo que não necessariamente já em 2026. Sua capacidade de articulação à revelia das lideranças tucanas tradicionais e sua aproximação com setores da esquerda, especialmente do PT, reforçam essa leitura.
Aava representa um fenômeno político em si: evangélica moderada, com forte atuação em direitos sociais, educação e juventude, ela se distancia do conservadorismo religioso dominante entre políticos evangélicos, aproximando-se de uma nova direita progressista ou mesmo de um centro-esquerda ampliado. Isso faz com que seja vista como uma figura de transição entre o PSDB tradicional — marcado por uma política personalista e masculina — e uma nova geração de lideranças com foco em diversidade, inclusão e renovação dos métodos.
Ao mesmo tempo, a movimentação do PT goiano em direção a Aava também revela uma inflexão tática. Setores próximos da deputada federal Adriana Accorsi, do ex-deputado federal Rubens Otoni e de lideranças como Kátia Maria, Bia de Lima e Edward Madureira cogitam uma aliança que, além de ampliar a frente democrática contra a extrema-direita no estado, também permitiria ao PT acessar segmentos evangélicos mais moderados — um campo tradicionalmente hostil ao partido.
O nome de Aava chegou a ser ventilado para o comando do Ministério das Mulheres, o que indica reconhecimento nacional de sua projeção, embora a nomeação tenha esbarrado, segundo fontes, em resistência dentro do próprio PSDB, especialmente por parte de Marconi Perillo.
Partidos buscam por federações
Faltando cerca de um ano e meio para o início oficial das campanhas para as eleições federais de 2026, os partidos políticos brasileiros intensificam suas movimentações nos bastidores em busca de alianças, reestruturação interna e adaptação às exigências legais que passaram a moldar o sistema partidário desde a promulgação da chamada Reforma Partidária e Eleitoral.
Um dos principais motores dessas movimentações é a chamada cláusula de barreira, que exige dos partidos um desempenho mínimo nas urnas — pelo menos 2,5% dos votos válidos para a Câmara dos Deputados, distribuídos em no mínimo 1/3 dos estados da federação — para que tenham direito ao fundo partidário e ao tempo de propaganda eleitoral no rádio e na televisão. A exigência tende a crescer até 2030, o que obriga legendas menores a buscar fusões ou integrações estratégicas, sob pena de se tornarem inviáveis eleitoralmente.
Nesse cenário, as chamadas federações, incorporações ou fusões partidárias têm se consolidado como uma alternativa para garantir a sobrevivência política e acesso aos recursos eleitorais. A busca por uma federação é o caminho mais seguro, tendo em vista que nesse contexto não há o desaparecimento das legendas que formalizam um compromisso de no mínimo quatro anos, funcionando como uma espécie de “casamento ideológico” entre os partidos.
A federação entre União Brasil e Progressistas, batizada de União Progressista, é uma das mais emblemáticas até o momento. Formalizada em abril de 2025, ela já atua sob uma copresidência provisória e se prepara para unificar seu comando em dezembro. Outra articulação avançada envolve o PRD e o Solidariedade, que devem anunciar federação formal ainda no segundo semestre de 2025. Essas alianças buscam não apenas cumprir a cláusula de barreira, mas ampliar a competitividade nos estados e no Congresso Nacional.
Outro fator que redefine as estratégias eleitorais é a digitalização da política. Desde as eleições de 2018, a crescente centralidade das redes sociais, especialmente WhatsApp, Instagram e TikTok, transformou o modo como partidos e candidatos se relacionam com seus eleitores.
As campanhas digitais altamente segmentadas e polarizadas contribuem para a construção de bolhas informacionais e influenciam diretamente a decisão de voto, em especial entre eleitores mais jovens e menos engajados politicamente. A dependência de redes sociais como ferramenta primária de mobilização deverá ser ainda mais intensa em 2026, com candidatos investindo em marketing de influência, inteligência artificial e análise de dados.
Outro aspecto relevante do atual momento político é a dicotomia entre partidos nacionalizados e locais. Se o PT e o PSDB mantinham as estruturas mais organizadas, com agendas unificadas em diferentes estados, detinham vantagens significativas da lógica eleitoral, com o surgimento de lideranças populares e populistas de extrema-direita esse posto foi substituído, o que mudou os rumos eleitorais do país nos últimos dois pleitos nacionais e redesenhou as estruturas partidárias.
Histórico eleitoral em Goiás
Desde a redemocratização, a formação das chapas majoritárias para o governo e Senado em Goiás revela padrões recorrentes, com base em alianças pragmáticas, protagonismo de lideranças regionais e adaptações contínuas aos diversos redesenhos institucionais do sistema partidário. Esse processo, que começa a se delinear ainda nas pré-campanhas e convenções partidárias, reflete a lógica da política local e seus entrelaçamentos com as dinâmicas nacionais — como a crescente exigência por desempenho eleitoral e coerência partidária desde a promulgação da cláusula de barreira e a proibição de coligações proporcionais.
Em 1982, marco da redemocratização no estado, o PMDB, hoje MDB, e figura central em oposição ao regime militar, consolidou sua força com a vitória de Iris Rezende ao Governo de Goiás. Uma das maiores lideranças políticas do Estado, Iris soube articular uma frente ampla que unificava setores progressistas e conservadores descontentes com a ditadura.
A formação da sua chapa evidenciava um modelo de composição calcado na liderança carismática e na negociação com diferentes grupos políticos regionais. A mesma lógica se aplicou à eleição do Senado em 1986, quando Lúcia Vânia e Irapuan Costa Júnior foram eleitos com o respaldo das estruturas ainda influenciadas pela Arena, então convertida em PDS.
Na década de 1990, a política goiana vivenciou uma reconfiguração. O PMDB seguiu dominante até o surgimento de Marconi Perillo (PSDB), que, em 1998, rompeu com a hegemonia de Iris Rezende ao formar uma chapa inovadora, tanto em composição partidária quanto em discurso, prometendo modernização administrativa. O então jovem deputado federal elegeu-se governador aos 35 anos com Alcides Rodrigues (PPB) como vice, numa composição que unia o PSDB à centro-direita fisiológica.
A coalizão foi decisiva não apenas eleitoralmente, mas na reorganização das forças políticas no estado. Em 2002, Marconi foi reeleito com a mesma estratégia e, em 2006, articulou sua saída do governo para disputar o Senado, enquanto Alcides assumia a cabeça de chapa para governador. Essa aliança se desfez posteriormente, mas a prática de transição pactuada e uso estratégico das vagas majoritárias foi um marco do período.
Ao longo dos anos 2000 e 2010, a composição das chapas para governador e Senado manteve esse caráter pragmático, com o PSDB consolidando-se como força hegemônica por quatro mandatos consecutivos. As alianças se davam não tanto por afinidade ideológica, mas pela capacidade de aglutinar tempo de televisão, capilaridade regional e poder de barganha em Brasília.
O próprio Senado se tornou, nesse período, uma “moeda” de negociação entre partidos aliados — muitas vezes reservado a figuras que representassem apoio financeiro ou vínculos com bases eleitorais estratégicas. A eleição de Demóstenes Torres (DEM) e, posteriormente, de Lúcia Vânia (PSDB e depois PSB), evidencia como o Senado se tornava parte de uma engenharia para sustentação do projeto de poder.
Ruptura e novo comando em Goiás
A ruptura desse modelo ocorreu nas eleições de 2018, quando Ronaldo Caiado (DEM), após anos como senador e figura de oposição aos tucanos, conquistou o governo com uma composição mais conservadora e com discurso antipolítica tradicional. Sua chapa majoritária incluía Lincoln Tejota (então no PROS) como vice, e, paralelamente, nomes como Vanderlan Cardoso (PSD) e Jorge Kajuru (PSB) venceram para o Senado, com votos expressivos.
A fragmentação política — consequência tanto da crise partidária nacional quanto das mudanças nas regras eleitorais — levou à eleição de três nomes com trajetórias e partidos distintos, sem coordenação formal de campanha entre eles. Foi um dos momentos mais visíveis de ruptura da lógica de alianças fechadas entre governador e senadores em Goiás.
Em 2022, a lógica de composição retornou a um padrão mais estável, embora em novo contexto. Caiado buscou a reeleição ancorado em uma ampla frente, formalizada com o MDB por meio da indicação de Daniel Vilela como vice. A aliança se deu entre dois partidos historicamente adversários, demonstrando a maleabilidade das composições em momentos de realinhamento político. A surpresa foi a eleição de Wilder Morais (PL), ex-aliado de Marconi, refletida na tendência nacional de fortalecimento da direita no período pós-Bolsonaro.
Essa trajetória revela que as chapas majoritárias em Goiás sempre refletiram não apenas os interesses locais, mas também as dinâmicas federativas mais amplas: governos de coalizão, presidencialismo multipartidário, fisiologismo e, mais recentemente, a ascensão de um conservadorismo popular de base evangélica. O Senado, em particular, tornou-se um espaço de disputa política com pouca previsibilidade, dada a possibilidade de eleições com duas vagas e o voto majoritário em nomes individuais — o que favorece o personalismo em detrimento da coesão partidária.
Com as novas regras eleitorais exigindo federações duradouras, cláusulas de desempenho e proibição de coligações proporcionais, espera-se que as composições para 2026 sejam mais estruturadas e menos baseadas em acordos pontuais. No entanto, a lógica do poder regional, a importância do tempo de televisão e o controle de máquinas partidárias e municipais devem continuar sendo fatores decisivos na definição das chapas ao governo e ao Senado. Goiás, assim como outros estados do Centro-Oeste, segue sendo um campo fértil para observar como se articulam as relações entre tradição e inovação na política brasileira.