Congresso ignora a técnica, pressiona conta de luz e liga alerta sobre segurança do setor elétrico

Agência O Globo
Congresso ignora a técnica, pressiona conta de luz e liga alerta sobre segurança do setor elétrico Reprodução

Um único artigo de um projeto de lei ocupa 35 linhas em um só parágrafo e apenas com ponto final. Essa redação pouco usual pode gerar um aumento nas contas de luz, desequilibrar a estrutura do setor elétrico e ilustra como pressões políticas e empresariais têm minado decisões técnicas nesse segmento.

O artigo em questão foi inserido pelo Congresso Nacional no ano passado em um projeto sobre instalação de torres eólicas em alto mar. Entrou como “jabuti”, como diz o jargão de Brasília para trechos que nada têm a ver com a proposta original. Ele obriga o governo a fazer leilões para contratar uma série de usinas, incluindo a carvão, e determina onde essas plantas serão instaladas.

O texto foi barrado pelo presidente Lula. Agora, porém, os parlamentares se preparam para voltar ao tema e podem derrubar o veto do Palácio do Planalto.

No setor elétrico, o Executivo faz a licitação, mas a conta é paga pelo consumidor por meio das tarifas. Nesse caso, seria um impacto de 7,5% de uma só vez, de acordo com cálculos da respeitada consultoria PSR.

É uma conta desse tamanho porque os parlamentares fizeram uma interferência direta no planejamento do setor. Disseram quais usinas, qual combustível, qual potência e em qual localidade elas precisam ser instaladas. É como se os empreendimentos deixassem de brigar, no leilão, para saber qual seria o mais barato e onde melhor instalado. Por isso a diferença de preços.

O Brasil já tem uma conta de luz cara, mesmo diante de uma matriz limpa, por conta de uma série de esqueletos da legislação do setor, como subsídios para grupos específicos. Mas, além das tarifas, há uma outra questão sobre a mesa, que pode virar um problema para o país a partir de 2028.

O Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) tem apontado o aumento do que é chamado de rampa, quando há uma queda abrupta da energia solar e necessidade de entrada de energia de usinas firmes (que podem ser acionadas a qualquer tempo pois não dependem de intempéries climáticas). E isso vai se intensificar daqui a três anos, segundo o órgão Sem uma atuação, nesse caso, o risco é para a segurança energética.

Para solucionar isso, o Ministério de Minas e Energia chegou a marcar um leilão neste ano, mas ele foi suspenso diante de uma disputa judicial sobre participação de determinadas fontes no processo. A promessa é que ele ocorra ainda neste ano. Mas, para isso, será preciso vontade política e foco. O risco é de atraso em uma questão cujos resultados podem ser desastrosos para o país.

Agora, uma nova frente de disputa vai ser aberta no Congresso nos próximos meses. O governo promete na próxima semana editar uma medida provisória (MP) com uma reforma estrutural do setor, prevendo por exemplo abertura do mercado e permitindo ao consumidor escolher de quem ele vai comprar sua eletricidade.

É um texto que está pronto e vem sendo discutido em fóruns técnicos há anos. O ministro Alexandre Silveira, de Minas e Energia, deu carga à proposta agora porque inseriu um trecho no projeto para baratear as contas de luz de 60 milhões de brasileiros, pelos cálculos do governo — a fatura seria paga com o corte de subsídios de outros setores. Com isso, ele ganha um discurso político em um momento de fragilidade do governo Lula e em que sua cadeira está sendo cobiçada por políticos no Congresso.

A MP será alvo de muito debate, mudanças e pressões no Congresso nos próximos meses. Em um setor com fortes disputas internas entre diferentes grupos de influência, o risco que precisará ser evitado e essa medida vire mais uma colcha de retalhos pesando sobre as contas de luz e interferindo no planejamento técnico do setor.




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