A disputa pela liderança em inteligência artificial (IA) entre Estados Unidos e China se intensifica, e dois pesquisadores brasileiros tiveram seus vistos americanos negados em meio a esse cenário.

As autoridades dos EUA questionaram os pesquisadores sobre seus estudos em IA e, em um dos casos, sobre uma visita a Taiwan. Apesar de não haver uma política migratória americana específica sobre o desenvolvimento de IA, uma portaria da era Trump sugere um reforço no rigor das análises de pedidos de visto.

A Embaixada dos Estados Unidos no Brasil não comenta casos individuais de visto, conforme política do governo americano.

Mírian Lima, pesquisadora especializada em IA, foi convidada para apresentar um de seus projetos em uma universidade americana em 17 de abril, há duas semanas. Como nunca havia visitado os Estados Unidos, solicitou com urgência o visto B1/B2 (turismo e negócios) através de uma agência.

Mírian afirma que, apesar de ter apresentado todos os documentos necessários, incluindo os relativos à apresentação na universidade, teve o visto negado. A justificativa foi a de que ela não comprovou vínculos suficientes para garantir seu retorno ao Brasil.  "Eu só discordo porque eu tenho residência fixa, minha filha, meu esposo, minha vida acadêmica, meus clientes e meus trabalhos, que são voltados inclusive para o direito brasileiro", diz Mírian.

A pesquisadora relata que a entrevista foi breve, com poucas perguntas. A maioria delas, segundo Mírian, estava relacionada ao conteúdo que seria apresentado nos Estados Unidos.  "Eu mencionei que sou autônoma, que era parte de um evento de tecnologia. Não quiseram ver nada. Foram poucas perguntas e dali um pouco me reprovou. Eu fiquei sem entender", afirma Mírian.

Conforme o documento fornecido pelo agente consular, Mírian foi julgada inelegível para o visto, em conformidade com a seção 214 (b) da Lei de Imigração e Nacionalidade dos Estados Unidos. Esta é a recusa mais frequente para vistos temporários. A decisão implica que a requerente não conseguiu demonstrar que não tem a intenção de permanecer nos EUA de forma permanente.

"Colegas que tiraram o visto no ano passado vão me representar no evento. Como a entrevista só teve foco no que eu faço profissionalmente, estou com receio até de falar do projeto e sofrermos retaliação", diz a pesquisadora.

Rodrigo Nogueira, fundador da Maritaca AI e um dos principais nomes da IA no Brasil, também foi impedido de entrar nos EUA. Seu visto, inicialmente aprovado, foi temporariamente bloqueado para análise pelas autoridades americanas.

Nogueira havia solicitado o visto para palestrar em um evento no MIT (Massachusetts Institute of Technology) em 18 de março, onde discutiria o desenvolvimento da IA no Brasil. Após a entrevista de renovação do visto em 27 de fevereiro, no consulado dos EUA em São Paulo, ele recebeu a aprovação. No entanto, no dia seguinte, foi informado do bloqueio temporário.

O consulado questionou Nogueira sobre uma viagem a Taiwan em 2023, onde participou da conferência Sigir, e sobre sua tese de doutorado na Universidade de Nova York, onde trabalhou no mesmo laboratório que Yann LeCun, renomado cientista da IA e ganhador do Prêmio Turing.

Mesmo após enviar seu currículo, tese e artigos publicados, Nogueira teve o visto negado sob a seção 221(g) da lei de imigração dos EUA, que indica um processo administrativo em andamento. O consulado não informou quando ou se haverá uma nova resposta.

A organização do evento no MIT propôs que Nogueira participasse remotamente. Inicialmente, ele considerou não participar como forma de protesto, mas confirmou à Folha que manterá sua apresentação, dada a relevância do evento.