Angelo Cavalcante
A maldição

Na cerimônia em que fora conduzido à condição de professor emérito da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco da Universidade de São Paulo, o atual ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, do alto de toda uma vida dedicada ao direito, contempla assustado, a ruína do mundo contemporâneo e, em sua despedida, clama por espécie de novo renascimento com e a partir da CIÊNCIA.
Diz o ministro: "Só a ciência nos liberta desse ambiente de degradação e de extremismos".
O ministro acertou na forma, no conteúdo, na essência e na aparência.
Nesse sentido, não pude não me lembrar da estupidez e do desconhecimento como principal estratégia da extrema direita brasileira para enganar e garantir legitimidade para suas pautas e recordei, por exemplo, do que acontece com a atualização do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), um imposto necessário para, mesmo que, de bem leve, tocar, mexer nas grandes fortunas dos capitalistas brasileiros e, reparem, de forma impressionante, desaprovada atualmente pela Câmara dos Deputados.
Repara...
Essa discussão já está superada porque é líquido e certo de que o Brasil tem sido por séculos a fio, uma notória usina de injustiças sociais, um multiprocessador de tudo quanto é perversão e iniquidade social.
A miséria ronda todas – TODAS – as paragens brasileiras; não há cidade, província ou distrito brasileiro que não apresente doses fortes de pobreza, miséria e muito desamparo social.
É claro que algumas regiões possuem situações mais dramáticas do que outras, que em certas partes, por exemplo, do norte-nordeste a vida é mais difícil do que em outras bandas do centro-sul mas, fato é que, em maior ou menor intensidade, o crime de lesa-pátria da miséria é um colosso ativo e espraiado por todo o território nacional.
O IDH brasileiro, mesmo com evidentes melhoras no quadro nacional, ainda se situa em índices e quocientes subsaarianos; nos comparamos com o Burundi, Mauritânia ou Serra Leoa; no plano latino-americano vencemos apenas o Haiti, Honduras e o incensado El Salvador.
Afora miúdos grupos de países, somos uma lástima continental a reprimir pela fome, por serviços públicos horrendos ou pela violência policial típica, massas densas e descontroladas de apartados sociais.
Estamos dentre os principais cases acerca da anomalia da concentração ou hiperconcentração de rendas.
Esse cancro econômico opera essencialmente em duas partes. A primeira é que alimenta e retroalimenta pequenos e miúdos núcleos de poder com mais e mais poder, convertendo a outra parte, por conseguinte, a parte das largas e imensas maiorias, em um oceano de miseráveis justamente pela ação de um trabalho esterilizado, espécie moderna da maldição de Sísifo e que faz com que o labor humano não replique, não reproduza, não renda.
No entremeio entre essas duas e ditas partes se ergue um vasto e intransponível fosso social onde são lançadas as melhores iniciativas e experiências da vida social brasileira, além, é claro, das ruínas de um Estado miúdo, incapaz e notadamente simbólico.
Eis o nosso quadro de devastação e penúria!
A aprovação atualizada do IOF seria um gesto necessário e indispensável no afã de mitigar, de reduzir essa pulsão subdesenvolvimentista pela hiperconcentração das riquezas nacionais porque, no seu essencial, chegaria nas movimentações dos ricos.
Mas, essa Câmara de Deputados, sem dúvidas ou cautelas, optou abertamente por proteger os bilionários brasileiros em desfavor, é claro, dos trabalhadores do país.
Estou seguro de que estão, isso sim, brincando com fogo e, de uma forma ou de outra, os "de baixo" irão responder a mais esse insulto.
A ver!
Angelo Cavalcante – Economista, professor da Universidade Estadual de Goiás (UEG), Itumbiara.