Conflitos no relacionamento elevam risco de doenças cardíacas, aponta estudo
reprodução Grandes estudos populacionais indicam que a qualidade do relacionamento afeta o risco de doenças cardíacas com magnitudes semelhantes às de parar de fumar ou manter um peso saudável. Parceiros satisfeitos apresentam melhor variabilidade da frequência cardíaca, pressão arterial mais baixa e redução de marcadores inflamatórios, enquanto o sofrimento no relacionamento ativa respostas ao estresse que prejudicam o sistema cardiovascular.
Um estudo realizado no Instituto do Coração da Universidade de Ottawa revelou que pessoas solteiras têm 40% mais chances de desenvolver doenças cardiovasculares e morrer de infarto do miocárdio do que pessoas casadas. No entanto, os pesquisadores ressaltam que a proteção não está no estado civil em si, mas na qualidade do relacionamento.
Estudos longitudinais mostram que a satisfação conjugal é um fator muito mais relevante do que simplesmente ser casado ou solteiro.
Estresse, hormônios e impacto fisiológico
Segundo os cientistas, o corpo reage intensamente à dinâmica dos relacionamentos. Durante uma discussão, por exemplo, ambos os parceiros apresentam aumento da frequência cardíaca e elevação dos níveis de cortisol, o hormônio do estresse.
Mulheres em relacionamentos conturbados registram um aumento de quase 10 vezes na incidência de hipertensão não controlada em comparação com mulheres satisfeitas. Já entre casais com relações positivas, cada aumento de uma unidade no apoio percebido no relacionamento está associado a uma melhora de 28% na variabilidade da frequência cardíaca, indicador fundamental da saúde cardiovascular.
O efeito inverso também foi observado. Em dias de maior afeto físico, como abraços, os níveis de cortisol diminuem de forma significativa. O contato físico e a conexão íntima provocam alterações hormonais que ajudam a proteger o coração.
O sofrimento crônico nos relacionamentos pode elevar marcadores inflamatórios, contribuindo para o desenvolvimento da aterosclerose e para a progressão das doenças cardiovasculares.
Hábitos saudáveis também se sincronizam
Pesquisadores observaram que parceiros em relacionamentos satisfatórios tendem a adotar comportamentos mais saudáveis. Homens que percebem forte apoio da parceira consomem mais frutas e verduras. Em relações marcadas por conflitos frequentes, ambos os sexos apresentam maior consumo de álcool.
Os hábitos de saúde também tendem a se sincronizar entre os parceiros. Se um dos cônjuges pratica exercícios regularmente, o outro tem 67% mais chances de se tornar fisicamente ativo. Quando um parceiro para de fumar, o outro tem 48% mais chances de conseguir o mesmo resultado. Essa sinergia, porém, funciona nos dois sentidos: hábitos não saudáveis de um dificultam mudanças positivas no outro.
Inclusão dos parceiros no tratamento
A equipe analisou intervenções que incluíam os parceiros nos cuidados cardíacos. A maioria dos programas envolvia orientação de enfermeiros sobre uso de medicamentos, rotinas de exercícios e mudanças na dieta por cerca de três meses, geralmente iniciadas após a alta hospitalar.
Cerca de 77% dos estudos que avaliaram atividade física, adesão à medicação ou cessação do tabagismo identificaram melhorias quando os parceiros participaram. Pacientes incluídos em programas para casais mantiveram níveis de atividade física mais estáveis, enquanto aqueles que participaram sozinhos abandonaram com mais frequência as rotinas de exercícios.
Os resultados cardiovasculares diretos foram variados. Alguns estudos mostraram melhora nos níveis de colesterol e redução de consultas médicas. Outros não encontraram diferenças significativas em pressão arterial, eventos cardíacos ou capacidade funcional.
Na saúde mental, cerca de 63% dos estudos observaram melhora em ansiedade ou depressão, embora os efeitos variassem conforme o programa e o momento da intervenção.
Para os autores, o sofrimento nos relacionamentos não é apenas emocional, mas um fator de estresse fisiológico que ativa respostas cardiovasculares, neuroendócrinas e imunológicas, acelerando a progressão das doenças.
— Relacionamentos felizes não são apenas um diferencial. Eles proporcionam proteção mensurável por meio da redução dos hormônios do estresse, melhor controle da pressão arterial, redução dos marcadores inflamatórios e melhoria dos hábitos de saúde — escreveram.
O que os pesquisadores recomendam
Os autores sugerem que programas de reabilitação cardíaca passem a avaliar a qualidade do relacionamento, assim como já fazem com depressão e ansiedade. Questionários rápidos poderiam identificar casais que necessitam de maior suporte.
Com base nesses dados, os programas poderiam oferecer intervenções personalizadas e incluir educação básica sobre como as relações afetivas impactam a saúde do coração.
Os pesquisadores também apontam limitações dos estudos analisados, como a escassez de pesquisas com amostras predominantemente negras, a quase ausência de casais LGBTQIAP+ e a predominância de homens entre os pacientes (77%), enquanto as mulheres representaram 76% dos parceiros.