CEO da Ford diz que China está muito à frente dos EUA na indústria

O CEO da Ford, Jim Farley, recebeu na terça-feira, 30, centenas de líderes dos setores de manufatura, construção e logística dos EUA no Ford Pro Accelerate Summit, realizado na Michigan Central Station, em Detroit, para debater com urgência a competitividade americana naquilo que ele chama de “economia essencial”. Em um cenário em que a escassez de mão de obra e a baixa produtividade ameaçam a espinha dorsal industrial do país, Farley defendeu medidas ousadas e novas parcerias para restaurar a liderança e a inovação dos Estados Unidos.
A mensagem de Farley foi simultaneamente um chamado à ação e um alerta: ele teme que a China — por meio de investimentos contínuos e de uma estratégia consistente — esteja superando rapidamente os EUA em manufatura e tecnologias críticas. Questionado sobre como a “economia essencial” americana se compara a outras partes do mundo, Farley afirmou: “Estamos muito atrás… É bastante humilhante quando olhamos onde estamos em termos de economia essencial, da aceitação social e do reconhecimento da importância desses empregos.” Ele enfatizou que empresas e formuladores de políticas precisam fechar essa lacuna: “Precisamos realmente colocar nosso dinheiro onde precisa”.
Farley relatou visitas a outros países com indústrias avançadas e disse ter sentido frustração ao perceber que os EUA não estão fazendo os investimentos necessários para acompanhar o ritmo: “Quando você vai à China, Coreia do Sul, Japão… o que eles fazem é investir. Eles realmente investem.”
Sobre a política comercial e prioridades econômicas do presidente Donald Trump, Farley comentou: “Você pode concordar ou discordar de suas políticas, mas me pergunto como elas se encaixam na economia essencial.”
Lições da Ásia
Farley destacou que o diferencial dos concorrentes asiáticos é a criação de sistemas robustos que valorizam os empregos não apenas com palavras, mas com apoio político e financeiro consistente. Em países como China e Japão, um emprego de classe média no comércio ou na manufatura é transformador — semelhante ao papel desses cargos para os EUA durante o auge industrial.
Esse compromisso inclui programas extensivos de treinamento e aprendizagem, garantindo fluxo constante de trabalhadores para setores críticos. Para Farley, isso contrasta com a desvalorização da mão de obra essencial nos EUA, que gera escassez crônica de trabalhadores e queda de produtividade.
Ele comentou ter ficado impressionado com o investimento contínuo e o respeito social por empregos qualificados em países asiáticos, onde tais funções são valorizadas e atraentes para novas gerações. Em contrapartida, lamentou que os EUA tenham subestimado sua força de trabalho essencial — construtores, transportadores e reparadores — criando lacunas que fragilizam a economia.
Farley apelou a líderes públicos e privados para expandir investimentos em treinamento vocacional, apoiar pequenas empresas e reduzir a burocracia que dificulta o setor. Ele lembrou que a Ford enfrenta falta crítica de técnicos e operários, problema comum em toda a indústria americana. Segundo ele, apenas destacar a importância desses empregos não basta sem programas concretos, como mais oportunidades de aprendizagem e parcerias com escolas e organizações comunitárias.
Implicações para política e indústria dos EUA
As observações de Farley coincidem com debates sobre políticas nacionais, incluindo foco na reindustrialização e no treinamento vocacional. Embora elogie a intenção, Farley alertou que essas medidas isoladas não resolverão a crise de mão de obra; à medida que a produção aumenta, a escassez de trabalhadores qualificados pode elevar custos, gerar atrasos e prejudicar empresas e consumidores.
Ele ressaltou que tarifas e mudanças regulatórias podem agravar a escassez se não vierem acompanhadas de investimentos sérios em qualificação. “O que vamos fazer pelo pequeno empresário? Precisamos ajudá-lo porque ele não tem dinheiro para investir”, afirmou. Farley também pediu que líderes locais e estaduais eliminem barreiras como excesso de licenciamento e burocracia, que pesam sobre pequenos contratados e negócios familiares, cruciais para a economia essencial.
A governadora de Michigan, Gretchen Whitmer, participou de painel no evento e reconheceu a forte concorrência da China, apesar de afirmar que os EUA ainda lideram em manufatura. Ela alertou: “A China vai dominar”, citando perda de empregos bem remunerados e de liderança intelectual.
Whitmer relatou visita ao Salão de Automóveis de Munique, em setembro, destacando que estandes chineses ofereciam preços mais baixos, prejudicando indústrias europeias. “Não podemos deixar isso acontecer aqui.”
Próximos passos
Farley disse que a Ford está monitorando a escassez de técnicos globalmente e ampliando parcerias para recrutar e treinar novos trabalhadores, em colaboração com escolas técnicas, sindicatos e organizações de veteranos. A empresa também pressiona por reformas regulatórias e mais investimentos públicos e filantrópicos.
Tanto Farley quanto Whitmer concordaram que os EUA sofrem com subinvestimento em cursos profissionalizantes. Whitmer citou que apenas 0,1% do PIB é destinado à formação profissional — muito menos que em outras nações desenvolvidas. Ambos reforçaram a necessidade de uma mudança real, destacando que todo americano merece acesso a programas de aprendizagem ou ensino superior tradicional, e que remover obstáculos é crucial.
Whitmer enfatizou que baixa produtividade na “economia essencial” limita o potencial de renda das famílias e defendeu a remoção de barreiras para novos entrantes, incluindo custos e mentalidades antiquadas.
Eles pediram expansão da educação técnica, reforma dos programas de aprendizagem e fortalecimento de parcerias com sindicatos, veteranos e faculdades comunitárias, seguindo modelos da Alemanha e Leste Asiático. “Prestamos um péssimo serviço a nós mesmos ao defender apenas um caminho para a prosperidade”, disse ela. Um diploma universitário de quatro anos, acrescentou, “é um bom caminho para muitas pessoas, mas não é o caminho certo para todos.”
Whitmer destacou que encanadores ganham bem. “Você pode ser seu próprio chefe... Você pode abrir seu próprio negócio. E esses empregos não foram tão valorizados nas últimas décadas quanto deveriam.” Ela acredita que a inteligência artificial pode melhorar a percepção desses empregos: “Espero que comecemos a valorizar novamente alguns desses empregos que tornam nossas vidas possíveis... e fazem nossas vidas funcionarem.”
Questionada sobre tarifas, Whitmer disse que “não é contra todas as tarifas em si”, mas repetiu o ditado: “Quando a América pega um resfriado, Michigan pega uma gripe”, citando exemplo de seu motorista Eric, que teve de abandonar seu negócio de transporte por causa das tarifas.
Ela também ressaltou que a fronteira de Michigan com o Canadá é a mais movimentada da América do Norte, com autopeças cruzando em média oito vezes, e que políticas caprichosas sobre tarifas podem paralisar investimentos e aumentar custos para empresas e consumidores.