Maior encontro de cidades inteligentes da Am. Latina poderá gerar R$ 1,2 bi em investimentos

Gestão orientada por dados, aplicação do Marco Legal das Startups para buscar soluções criativas e reforço das parcerias público-privadas visando alcançar resultados que tragam benefícios práticos para a população. Esses são os principais rumos das cidades inteligentes no Brasil, que utilizam a tecnologia como ferramenta para tornar mais eficiente a prestação de serviços públicos.
A análise é de Paula Faria, fundadora da Plataforma Connected Smart Cities, responsável pelo Cidade CSC, o maior encontro sobre cidades inteligentes da América Latina. O evento ocorreu entre 23 e 25 de setembro, na Expo Center Norte, em São Paulo, e neste ano reuniu quatro iniciativas distintas, colocando em pauta temas de mobilidade urbana, mobilidade aérea e startups voltadas para soluções governamentais, conhecidas como govtechs.
Segundo estimativa conservadora, baseada nas conexões entre gestores municipais e empresas participantes, a expectativa é que o evento movimente aproximadamente R$ 1,2 bilhão em investimentos. “Esse é o nosso papel, atuar como ponto de partida para que essas oportunidades se transformem em projetos reais que impactam cidades em todo o Brasil”, afirmou Paula.
O Marco Legal das Startups, legislação que facilita a contratação de empresas ligadas à inovação, tem sido fundamental nesse processo. Isso é possível, por exemplo, quando uma prefeitura procura uma solução ainda inexistente no mercado ou que seja oferecida por apenas uma empresa.
“Inovação não se contrata do mesmo jeito que se compra uma cadeira, nós precisávamos trazer mais segurança jurídica para projetos desse tipo”, declarou a deputada federal Tabata Amaral (PSB-SP), uma das autoras da lei, durante sua participação em um painel na quarta-feira (25).
No dia anterior, a secretária de Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro, Tatiana Roque, defendeu o mesmo mecanismo, explicando que a cidade aposta em desafios abertos para encontrar soluções práticas para os problemas urbanos.
“Minha dica para os administradores é: usem contratos públicos para soluções inovadoras (CPSI). É um instrumento sensacional que veio com o Marco das Startups e está totalmente regulamentado”, afirmou Tatiana.
Inteligentes e presentes
Ao todo, 172 prefeitos e vice-prefeitos marcaram presença no Cidade CSC e 844 municípios tiveram representação no encontro. Muitos buscavam novas ferramentas para modernizar a gestão pública, enquanto outros apresentaram projetos inovadores já em andamento.
Um exemplo é Santos, com o Parque Palafitas, projeto de revitalização da maior comunidade sobre palafitas do país, o Dique da Vila Gilda. “Nós construímos uma quadra sob a linha d’água com uma base de concreto, como se fosse um terminal portuário. Mas em vez de cargas e contêineres, nós estamos colocando 60 unidades habitacionais divididas em prédios de quatro andares e casas térreas, além de áreas de comércio”, explicou o prefeito Rogério Santos (Republicanos). Algumas unidades já estão perto da entrega.
“É uma quebra de paradigma, porque no Brasil não se pode construir moradia sobre águas, e Santos consegue”, disse o prefeito.
Ele destacou que o projeto une os três pilares da sustentabilidade: social, ao oferecer moradias; econômico, com espaços de comércio; e ambiental, com a recuperação do mangue nas áreas já estruturadas, que apresentam vegetação mais saudável do que nas regiões ainda sobre palafitas.
“O mundo está discutindo sustentabilidade e planejar cidades inteligentes é fundamental conforme discutimos como usar recursos naturais com mais eficiência”, acrescentou. Dentro desse conceito, Santos optou pela construção das unidades com a técnica de pré-fabricados chamada light wood frame, um sistema multicamadas que utiliza madeira como base principal.
Produzido pela Tecverde, esse método já foi usado em mais de 500 moradias construídas em São Sebastião após os deslizamentos de 2023.
Além de rápida, a técnica facilita a obra em locais de difícil acesso, como ilhas, destacou Thiago Meneghati, gestor comercial da empresa.
“Já chega pronto para montar e causa um impacto menor ambiental muito menor”, disse Thiago. “Se você pensar que hoje a construção civil é um dos principais vilões na emissão de gases do efeito estufa, o light wood frame traz uma redução grande na pegada de carbono.”
Inovação conectada
Pelos corredores da Expo Center Norte, os estandes de 106 expositores mostraram a variedade de soluções para cidades inteligentes: ônibus elétricos, drones, semáforos com inteligência artificial e mapas 3D capazes de simular cenários urbanos a partir da coleta de dados.
Essa tecnologia é chamada de digital twins e auxilia gestores na análise de riscos e tomada de decisões. “Nós chamamos isso de location intelligence, uma plataforma que agrega diferentes dados atrelados às suas coordenadas geográficas”, explicou Paolo Diber, da Imagem Geossistemas.
Apesar da simplicidade aparente, o conceito ainda enfrenta barreiras, destacou Vitor Zanetti, também da Imagem. “Eu converso com pessoas que não conseguem ver esses dados como algo espacial. Mas se aconteceu é espacial por natureza, tem latitude e longitude”, afirmou. Para ele, essa forma de visualização favorece decisões baseadas em dados, uma das tendências destacadas por Paula Faria.
No entanto, é preciso que os administradores estejam dispostos a utilizar as ferramentas corretamente. Câmeras, por exemplo, são as mais procuradas quando o tema é segurança pública.
“Todo mundo chega aqui atrás de câmeras e eu explico que mais importante que a tecnologia é a metodologia”, disse Carlos Avila, da Sentry, empresa que desenvolve sistemas para gerenciar imagens de vigilância. Atualmente, a companhia possui 12 mil câmeras interligadas no Brasil.
Ele citou como exemplo o reconhecimento automático de placas, útil para identificar carros roubados. “Recuperar carro roubado é enxugar gelo”, afirmou. “O importante é interligar diferentes prefeituras e órgãos para que atuem com inteligência e reduzam esse tipo de crime com base no sistema.”
Essa integração tem começado a ser aplicada em várias cidades brasileiras. Durante o Cidade CSC, 135 municípios foram premiados por seus esforços.
E, quando bem empregadas, as soluções trazem resultados práticos. No evento, o Grupo Pumatronix apresentou um projeto piloto em Uberaba, com semáforos inteligentes equipados com quatro câmeras e controlador eletrônico para monitorar o fluxo de veículos e otimizar o trânsito.
“Se há muito tráfego em uma vida, o verde é prolongado. Quando o fluxo diminui, o vermelho é antecipado”, explicou Sylvio Calixto, CEO do grupo. Em Uberaba, o sistema foi iniciado recentemente e ainda está em fase de teste. Em São José dos Pinheiros (PR), uma solução semelhante já trouxe melhora de 30% na fluidez.
Para quem enfrentava os congestionamentos nos arredores da Expo Center ao final da quinta-feira, uma tecnologia como essa pareceria um sonho. Talvez um dia.