Indústria extrativa cresce seis vezes no PIB; construção perde metade da fatia

Em três décadas, a indústria extrativa multiplicou por seis a sua participação no valor adicionado ao PIB (Produto Interno Bruto) do país, enquanto a fatia da construção caiu pela metade, segundo dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
A série histórica do órgão vai de 1995 a 2024. Nesse período, o peso da indústria extrativa, que inclui as commodities da mineração e o petróleo, saltou de 0,7% para 4,2%, ao passo que a parcela da construção baixou de 7% para 3,6%.
A indústria de transformação também perdeu participação no PIB em três décadas. Saiu de 16,8% em 1995 para 14,4% em 2024. Ainda assim, seguiu como a principal atividade industrial.
A transformação, como o nome indica, converte matérias-primas em novos produtos. Alimentos, calçados, roupas, máquinas e veículos fazem parte da lista.
No cálculo do PIB, a indústria ainda é composta por uma quarta atividade. Trata-se do ramo de eletricidade, gás, água, esgoto e gestão de resíduos, cuja participação passou de 2,4% em 1995 para 2,6% em 2024.
Os percentuais são calculados a partir de valores correntes, refletindo as variações do volume e dos preços em cada atividade, aponta o IBGE.
Perder participação de um ano para outro não quer dizer necessariamente que a produção de um setor diminuiu. Ela apenas pode ter aumentado menos do que as demais.
Ao longo da série, o baixo investimento do Brasil em infraestrutura, seja por problemas regulatórios ou por restrições fiscais do governo, acabou freando o ritmo de crescimento da construção, aponta o gerente de análise econômica da CNI (Confederação Nacional da Indústria), Marcelo Azevedo.
Segundo ele, o setor também sentiu o impacto de turbulências no mercado imobiliário, além dos juros altos, que encarecem os financiamentos.
O ramo extrativo, por outro lado, teve impulso da demanda aquecida e da valorização dos preços de commodities no mercado externo, diz Azevedo. "Isso promoveu um aumento muito grande do investimento e da produção desse setor, que se tornou mais atrativo."
No caso da indústria extrativa, o economista-chefe da consultoria MB Associados, Sergio Vale, cita o impacto das exportações de mineradoras para a China e o desenvolvimento da indústria de petróleo no Brasil – a extração comercial do pré-sal começou em 2008.
Já a construção e a indústria de transformação sentiram mais o efeito de "instabilidades" da economia brasileira, com períodos de crise ou baixo crescimento da demanda interna, aponta Vale.
"A construção teve vários trimestres seguidos (durante os anos de 2014, 2015, 2016 e 2017) com queda em volume, o que também contribui para a perda de participação na economia", afirma o IBGE.
Desindustrialização no Brasil
A indústria como um todo, na soma das suas quatro atividades, viu a sua fatia no PIB encolher de 27% em 1995 para 24,7% em 2024.
Enquanto isso, a participação do setor de serviços subiu de 67,2% para 68,8%. A agropecuária, por sua vez, aumentou a sua parcela de 5,8% em 1995 para 6,5% em 2024.
"O processo de desindustrialização não é exclusivo do Brasil. É verdade que o Brasil atingiu esse processo com um nível de renda per capita menor do que outros países que viveram o mesmo fenômeno, mas não é algo inédito", diz o economista Gustavo Inácio de Moraes, professor da Escola de Negócios da PUC-RS (Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul).
"O Brasil começa a ter uma especialização em indústrias ligadas ao agronegócio, e isso reflete condições que vão perdurar nos próximos anos. O que pode ter de novo e que de repente jogue a favor da indústria é a reforma tributária encaminhada", acrescenta.
O Iedi (Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial) elaborou uma série histórica focada no ramo de transformação com dados que consideram preços constantes – ou seja, com o ajuste pela inflação do setor. Esses números também mostram perda de participação no PIB brasileiro.
Conforme o Iedi, a fatia da transformação na economia recuou de 17,2% em 1995 para 10,8% em 2024. Essa proporção havia alcançado 21,4% durante a década de 1970, calcula o instituto.
"O país não conseguiu criar condições para ir agregando valor ao longo das cadeias produtivas", afirma o economista Rafael Cagnin, diretor-executivo do Iedi. "A transformação não cresce tanto quanto o restante da economia e acaba perdendo participação."
Segundo Cagnin, essa atividade andou com o "freio de mão puxado" ao longo das últimas décadas devido a fatores como os juros altos e o chamado Custo Brasil – expressão para um conjunto de gargalos que inclui complexidade tributária, burocracia e problemas de infraestrutura no país. A construção, diz, também foi afetada.
"A desindustrialização no Brasil foi prematura, não tem nada a ver com a discussão nos Estados Unidos ou em outros países desenvolvidos, porque não éramos ricos quando isso começou. A perda de participação aqui foi muito rápida, muito acelerada", avalia.
Juro e incerteza externa são desafios
Impulsionar a indústria é uma das bandeiras do governo Lula (PT), que aposta em um plano de ações para o setor. Analistas, contudo, afirmam que o cenário é de desafios com os juros altos no Brasil e as incertezas externas da guerra comercial neste ano.
"Ainda que esses planos [do governo] se mantenham, com a taxa de juros do jeito que está, não tem muito como a indústria manter o ritmo de crescimento", aponta Marcelo Azevedo, da CNI.
Cagnin, do Iedi, afirma que a redução do Custo Brasil é questão "de primeira ordem". "Neste ambiente de incertezas, quem está melhor é quem tem condições de empregar mais competitividade", diz o economista, que também defende acordos comerciais como o do Mercosul e da União Europeia.
Para Sergio Vale, da MB Associados, não faz sentido para a indústria brasileira pensar em "produzir tudo". Há, segundo ele, nichos que devem ser explorados, como o potencial do país na área de transição energética.
Vale afirma que a indústria relacionada a commodities tende a seguir com desempenho positivo nos próximos anos, reunindo tecnologia e inovação, ao contrário do que apontam visões mais críticas.
"É só pensar na tecnologia que existe por trás da indústria de petróleo, da extração do pré-sal."
Ele também destaca a importância da agenda de redução de custos produtivos e chama a atenção para a necessidade de o país evoluir em educação. Segundo Vale, o avanço na área de ensino se torna ainda mais urgente para capacitar a mão de obra em um horizonte de transformações tecnológicas.