Goiás e mais 16 estados mantêm supersalários em assembleias legislativas com aval da Justiça
Mesmo com crise fiscal, assembleias pagam salários e benefícios que ultrapassam os R$ 50 mil; em alguns casos, contracheques passam de R$ 66 mil

Apesar das dificuldades financeiras enfrentadas pelos orçamentos estaduais, deputados estaduais estão recebendo remunerações mensais que superam o teto constitucional em pelo menos 17 estados. Essa informação é baseada em uma análise feita pelo GLOBO, que examinou os contracheques acessíveis nos portais de transparência entre janeiro e março deste ano. Enquanto o limite legal é de R$ 34,7 mil — equivalente a 75% do salário de um deputado federal —, os pagamentos mensais reais frequentemente ultrapassam esse teto.
Segundo os dados verificados, a remuneração bruta média dos parlamentares estaduais foi de R$ 46,5 mil no primeiro trimestre. Em nove estados, essa quantia ultrapassa R$ 50 mil. No Rio Grande do Norte e em Rondônia, os valores médios são ainda mais altos. No caso do Rio Grande do Norte, algumas remunerações incluem as chamadas “vantagens pessoais” que atingiram até R$ 66 mil em certos contracheques, mas a origem específica desses valores não é esclarecida. A Assembleia Legislativa do Rio Grande do Norte não respondeu aos questionamentos.
A falta de clareza sobre os pagamentos também ocorre em outros estados. Em Rondônia, os contracheques mostram auxílios não especificados que somam R$ 33 mil, além do salário-base.
As remunerações são compostas por um salário-base — que varia entre R$ 25 mil e R$ 34 mil dependendo do estado — e por adicionais classificados como verbas indenizatórias. Os mais comuns incluem auxílio-saúde, auxílio-alimentação com quantias acima da média de mercado e gratificações por funções que vão de R$ 6 mil a R$ 17 mil. Em Pernambuco, por exemplo, os deputados recebem um vale-refeição mensal de R$ 3,4 mil.
Ademais, a maioria das Assembleias concede o "auxílio-paletó", que é pago no início e no final do mandato para cobrir despesas de deslocamento dos parlamentares. Esse valor corresponde a um salário mensal e pode ser acumulado em caso de reeleição.
Apesar de excederem o teto constitucional, esses pagamentos têm respaldo jurídico, pois o Supremo Tribunal Federal (STF) e os tribunais de contas consideram que o limite de R$ 34,7 mil se aplica apenas às parcelas que têm caráter remuneratório.
“O teto constitucional abrange a integralidade das parcelas remuneratórias percebidas pelo servidor público. A única exceção se dá em relação às ‘parcelas de caráter indenizatório previstas em lei’, nos termos do parágrafo 11 do artigo 37 da Constituição Federal”, argumentou o ministro André Mendonça, em decisão recente.
Os valores adicionais, por não serem considerados salários, estão isentos de imposto de renda e de contribuições previdenciárias.
Entretanto, a jurisprudência apresenta divergências. Em 2013, o Tribunal de Justiça de São Paulo declarou inconstitucional o pagamento de auxílio-moradia a deputados estaduais, argumentando que a remuneração parlamentar deve ser estruturada como subsídio, ou seja, em uma única parcela, sem adições como auxílios ou gratificações. O desembargador Luiz Sérgio Fernandes de Souza destacou que essa prática viola o princípio da moralidade pública.
O assunto gera debates entre especialistas em Direito Público e Administração Pública. Muitos acreditam que a interpretação predominante cria lacunas que ameaçam o teto remuneratório.
— Na prática, são criados os chamados supersalários, com gratificações que, segundo os beneficiários, teriam natureza indenizatória. Inventam funções especiais, comissões extras para contornar o teto constitucional — avalia Edgard Monteiro, mestre em Direito pela Uerj.
Procuradas, as assembleias afirmaram que os pagamentos estão dentro da legalidade determinada pela Constituição. Em nota, a Câmara Legislativa do Distrito Federal afirmou que “os auxílios têm caráter indenizatório, não integrando o subsídio mensal dos parlamentares, nem sendo contabilizados dentro do teto remuneratório dos servidores públicos”. Posicionamentos semelhantes foram enviados pelos legislativos de Pernambuco, do Espírito Santo e de Tocantins.
Oásis de benefícios
Nas Assembleias, não existem propostas voltadas para a contenção dos chamados “penduricalhos”. Ao contrário, iniciativas que criam novos auxílios avançam rapidamente e, muitas vezes, são aprovadas de maneira unânime.
Neste contexto, pelo menos oito estados estão debatendo ou já aprovaram, recentemente, novas medidas que expandem os benefícios oferecidos aos parlamentares. Na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj), por exemplo, tramita uma proposta para a introdução de um vale-alimentação no valor de R$ 2,9 mil mensais.
Em Goiás, foi aprovado em dezembro um benefício extra por "representação" que equivale a um terço do salário, totalizando R$ 11,5 mil. No Mato Grosso, também em dezembro, foi aprovada uma gratificação de 50%, chegando a R$ 17,3 mil. Essas verbas são destinadas a membros da mesa diretora, presidentes de comissões e líderes de bancada — cargos ocupados pela maioria dos parlamentares da Casa. Já em Minas Gerais, a Assembleia Legislativa aprovou no ano passado um reajuste de 78% no teto do auxílio-moradia, elevando o valor para R$ 8,6 mil em 2025.
— Em um país com tantas desigualdades, vemos supersalários em todo o funcionalismo público. Isso ocorre porque se permite que esses benefícios escapem do controle do teto constitucional— afirma o jurista Rafael Paiva.
Paiva aponta que os estados já enfrentam dificuldades fiscais. Goiás, por exemplo, acumula uma dívida de R$ 17 bilhões com a União, enquanto Minas Gerais tem uma dívida de R$ 165 bilhões. Mesmo assim, os parlamentares continuam acumulando os chamados “penduricalhos”.
Veja o que dizem as assembleias que responderam
Assembleia de Pernambuco
"As verbas de caráter indenizatório, quando previstas em Lei, não são incluídas no cálculo do teto remuneratório, conforme prevê o Artigo 37, XI, da Constituição Federal. Isso significa que esses valores que visam compensar despesas ou danos sofridos pelo servidor, não são considerados para determinar o limite máximo da remuneração."
Assembleia de Tocantins
"O subsídio dos deputados estaduais do Tocantins segue o limite estabelecido pelo teto constitucional, conforme prevê a Lei Estadual nº 4.073, de 26 de dezembro de 2022, que fixa os subsídios dos parlamentares em R$ 34.774,64 — valor correspondente a 75% dos deputados federais, nos termos do que determina a Constituição Federal.
Além do subsídio, os parlamentares recebem o auxílio de representação, previsto na Resolução nº 372/2023, no valor de 50% sobre o subsídio, de natureza indenizatória e não remuneratória. Instrumento legítimo e amparado na legislação vigente, que tem por fim indenizar as atividades dos cargos ocupados na Mesa Diretora, Lideranças Partidárias e Comissões Permanentes. O referido auxílio não se incorpora ao subsídio e não é considerado para efeitos de aposentadoria, por não possuir natureza salarial.
A Assembleia Legislativa reafirma seu compromisso com a legalidade e a transparência, observando as normas constitucionais e assegurando os meios necessários ao pleno exercício da representação parlamentar."
Assembleia do Espírito Santo
"A Assembleia Legislativa do Espírito Santo (ALES) informa que, conforme entendimento consolidado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), Tribunais de Contas e pela própria Constituição Federal (art. 37, XI), auxílio-alimentação e outras verbas de caráter indenizatório não são considerados remuneração.
Na Ales, o valor pago aos parlamentares à título remuneratório é o salário base de R$ 34.774,64. Os deputados também recebem o ticket alimentação, em valor igual aos demais servidores da Casa, no valor de R$1.949,45.
A Ales ressalta que os deputados estaduais capixabas respeitam rigorosamente o limite de 75% da remuneração dos deputados federais, conforme dispõe o artigo 27, § 2º, da Constituição Federal."
Câmara Legislativa do Distrito Federal
"Os auxílios (creche e alimentação) tem caráter indenizatório, não fazendo parte do subsídio mensal dos parlamentares, como também não fazem parte do teto remuneratório dos servidores."