Rodrigo Zani
Marina Silva e o preço da coerência: Quando a ética vira alvo no Senado

A trajetória da ministra Marina Silva é um exemplo raro na política brasileira: uma vida dedicada a causas coletivas, pautada pela ética, coerência e idealismo. Vinda de origens humildes, tornou-se símbolo de uma luta que une justiça social, sustentabilidade e integridade pública. Em tempos em que a política nacional parece naufragar em interesses imediatistas, Marina representa o que o Brasil poderia — e deveria — ser. Se houvesse mais lideranças como ela, o país certamente estaria em outro patamar de consciência política e desenvolvimento sustentável.
Recentemente, a ministra compareceu à Comissão de Infraestrutura do Senado Federal para discutir a agenda ambiental brasileira e as pressões do agronegócio por reformas no sistema de regularização ambiental. A expectativa era de um debate técnico, maduro, sobre como conciliar proteção ao meio ambiente com o legítimo desenvolvimento socioeconômico do país. Afinal, essas não são ideias opostas — são dimensões que precisam caminhar juntas para garantir um futuro viável para o Brasil.
No entanto, o que se viu foi um cenário desolador. O governo federal, do qual Marina faz parte, não demonstrou qualquer articulação para defendê-la. Entregue à própria sorte, a ministra enfrentou um plenário hostil, onde seus argumentos eram sistematicamente desqualificados, inclusive por senadores da base aliada que defendem a desregulamentação ambiental em nome da infraestrutura. O debate técnico cedeu lugar à pressão política descomprometida com a complexidade da pauta ambiental.
Em meio ao fogo cruzado, destacou-se o senador Omar Aziz, conhecido por sua atuação incisiva durante a CPMI da COVID. Seus questionamentos deixaram a ministra visivelmente desestabilizada, em uma sessão que parecia se encaminhar para uma vitória dos que enxergam o meio ambiente como obstáculo e não como ativo estratégico do país.
Foi nesse contexto tenso que o senador Plínio Valério, em uma fala infeliz, resolveu atacar Marina Silva em sua condição de mulher, com insinuações que pouco ou nada tinham a ver com o debate proposto. A ministra, com a dignidade que lhe é característica, reagiu com firmeza, denunciando a misoginia estrutural que atravessa o espaço político brasileiro. A partir daquele momento, o foco da sessão se desviou da questão ambiental para algo ainda mais grave: o machismo institucionalizado que tenta calar vozes femininas que ousam ocupar posições de poder.
A situação se agravou quando Marina apontou, com razão, a simpatia do presidente da comissão, senador Marcos Rogério, por governos autoritários. A resposta do senador foi nada menos que assustadora: mandou a ministra "se colocar no seu lugar" — uma frase carregada de um preconceito histórico que procura relegar mulheres ao silêncio e à submissão. Diante disso, a ministra se retirou da sessão, e o que ganhou as manchetes e as redes sociais não foi o debate sobre licenciamento ambiental, mas a denúncia de discriminação contra uma mulher.
Essa sequência de fatos revela muito sobre as prioridades e a fragilidade institucional do país. Mostra como, mesmo diante de temas urgentes como a preservação ambiental, o debate público pode ser sequestrado por ataques pessoais, preconceituosos e autoritários. E mostra também o quanto ainda precisamos caminhar para garantir que o lugar da mulher seja — como deve ser — onde ela quiser.
Que o episódio sirva de alerta. O Brasil precisa, sim, discutir o licenciamento ambiental com responsabilidade, ouvindo técnicos, cientistas, comunidades e também líderes como Marina Silva, cuja autoridade vem não apenas do cargo, mas da história que carrega. Ignorar isso é abrir mão de um futuro sustentável e justo para todos.