Rodrigo Zani
Bolsonarismo: o autoritarismo que sobrevive ao mito

O Brasil vive um dos momentos mais desafiadores de sua jovem democracia. Desde 2018, com a ascensão de Jair Bolsonaro à presidência da República, um fenômeno político-social ganhou forma e força: o bolsonarismo. Mais do que um projeto de poder centrado em um indivíduo, trata-se de uma ideologia reacionária, autoritária e excludente, que encontrou em Bolsonaro apenas seu catalisador. O bolsonarismo independe, hoje, do seu "mito" para continuar existindo.
O histórico de Jair Bolsonaro como parlamentar já prenunciava os riscos de sua projeção nacional. Em quase três décadas na Câmara dos Deputados, acumulou um dos piores índices de produtividade legislativa do Congresso, com pouquíssimos projetos relevantes aprovados e uma retórica marcada por agressões, autoritarismo e nostalgia de regimes ditatoriais. Declarou abertamente seu apreço pela ditadura militar, exaltou torturadores como Carlos Brilhante Ustra — a quem chamou de “herói nacional” — e, em diferentes momentos, proferiu frases de ódio contra mulheres, quilombolas, indígenas, homossexuais e opositores políticos.
Essa retórica violenta, que em tempos democráticos deveria causar repulsa, foi transformada em bandeira por setores que já nutriam ressentimentos, preconceitos e desconfiança em relação às instituições democráticas, à ciência, à cultura e à diversidade. Bolsonaro não criou o reacionarismo brasileiro — ele apenas lhe deu um rosto, uma voz e uma rede de apoio. Ele ofereceu um espelho para pessoas que, até então, sentiam-se envergonhadas de seus sentimentos autoritários e preconceituosos. Com ele, passaram a se sentir autorizadas a propagar ideias que antes eram confinadas aos porões do discurso público.
Essa legião se organizou com velocidade e eficácia, especialmente pelas redes sociais. Espalhou desinformação, desacreditou a imprensa profissional, atacou professores, artistas, cientistas e militantes dos direitos humanos. Utilizou a religião não como ferramenta de fé ou compaixão, mas como instrumento de controle social, legitimando discursos de ódio em nome de uma moralidade seletiva, hipócrita e patriarcal.
O bolsonarismo, nesse sentido, é mais do que um projeto político — é uma cruzada contra a complexidade, a diversidade e a liberdade. É um movimento que rejeita o Brasil plural, construído a partir de muitos povos e culturas, e deseja uma sociedade única, homogênea, submissa e autoritária. É um projeto de silenciamento.
Hoje, Bolsonaro já não detém o mesmo prestígio de 2018. Enfrenta múltiplos processos, desgaste público e uma crescente rejeição, mas o bolsonarismo segue ativo, alimentado por líderes que o próprio ex-presidente ajudou a formar e empoderar. Eles ocupam espaços no Legislativo, no Judiciário, nas polícias, nas igrejas, nas redes sociais e nos grupos de WhatsApp. São a continuação do projeto autoritário que encontrou em Bolsonaro apenas sua porta de entrada.
Mas há também esperança. O povo brasileiro já mostrou, em muitos momentos da história, que é maior que seus tiranos. Que é capaz de resistir, reagir e reconstruir. A riqueza cultural, a diversidade de vozes, a solidariedade nas crises e a criatividade popular são traços fundadores do nosso país. O bolsonarismo pode ter plantado medo, mas não conseguiu apagar a chama da liberdade.
O Brasil precisa permanecer vigilante. Não basta derrotar Bolsonaro nas urnas ou nos tribunais. É preciso enfrentar o bolsonarismo em todas as suas formas: no discurso, nas práticas políticas, na cultura do ódio, na normalização da violência. É necessário fortalecer a democracia todos os dias, em cada escola, praça, sindicato, coletivo, igreja e comunidade.
Porque o que está em jogo não é apenas a política. É a alma de um país que sempre teve na diversidade sua maior beleza — e que não pode permitir que ela seja apagada pelo ódio de poucos.