Após Venezuela, EUA elevam tom contra Colômbia e reacendem tensão na América Latina

O ministro do Interior da Colômbia, Armando Benedetti, acusou o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, de ameaçar o país com uma invasão militar após o republicano chamar o presidente colombiano, Gustavo Petro, de "líder do tráfico de drogas" e anunciar o corte de toda a ajuda financeira ao principal aliado histórico de Washington na América do Sul. As declarações de Trump ocorreram durante a mobilização militar americana no Caribe para operações antidrogas — que analistas veem como parte de uma estratégia mais ampla de reposicionamento dos EUA como potência dominante na região.
"[As declarações de Trump correspondem a uma] ameaça de invasão ou de ação terrestre ou militar contra a Colômbia.", afirmou Benedetti em entrevista à Blu Radio nesta segunda-feira, pouco depois de o Ministério das Relações Exteriores colombiano anunciar a convocação do embaixador Daniel García Peña, em Washington, para consultas sobre a crise atual.
Usando uma retórica semelhante à empregada contra o presidente venezuelano Nicolás Maduro, Trump declarou no domingo que Petro teria papel de liderança no narcotráfico originado no país, acusando-o de "encorajar a produção maciça" de drogas e de "não tomar nenhuma atitude" para conter as organizações criminosas, mesmo com o envio de recursos americanos. Além de suspender as verbas, Trump fez uma ameaça direta, afirmando que, caso o presidente colombiano não fechasse os campos de cultivo de entorpecentes, os EUA o fariam:
"Os Estados Unidos vão fechá-los para ele, e isso não será feito de forma agradável", escreveu Trump.
O ataque verbal do presidente americano ocorre em um momento de tensão crescente entre Washington e a América Latina. A concentração de tropas no Caribe é a maior desde a invasão do Panamá, em 1989, durante a Operação Justa Causa — que culminou na prisão do ditador Manuel Noriega sob acusação de narcotráfico. Forças dos EUA já afundaram sete embarcações, matando 32 pessoas, apontadas como integrantes de grupos criminosos que, sob o governo Trump, passaram a ser classificados como organizações terroristas. Na semana passada, o republicano confirmou ter autorizado ações da CIA contra o regime de Maduro na Venezuela.
O envolvimento intenso e a forma de atuação dos EUA na região levaram especialistas a sugerir que Trump estaria aplicando uma "Doutrina Monroe 2.0" desde sua volta à Casa Branca em janeiro. A doutrina, proclamada por James Monroe em 1823, sob o lema “a América para os americanos”, serviu como base ideológica para a expansão da influência dos EUA no continente.
De acordo com uma análise do Centro para Estudos Estratégicos e Internacionais (CSIS), assinada por Christopher Hernandez-Roy, Juliana Rubio, Jessie Hu e Sam Smith, Trump voltou seu foco para a América Latina mais do que qualquer outro presidente desde a Guerra Fria, reduzindo o uso do soft power e aumentando a pressão militar e econômica.
"Essa mudança de abordagem decorre da preocupação de que os Estados Unidos tenham priorizado a projeção de poder e o policiamento de pontos críticos globais em detrimento de sua 'vizinhança compartilhada' por muito tempo, permitindo assim que a China expandisse sua influência na ALC [América Latina e Caribe] e permitindo que organizações criminosas e fluxos migratórios recordes ameaçassem diretamente a segurança dos EUA", disseram os autores, em texto publicado em 6 de outubro.
Crise entre aliados
A Colômbia é há décadas o principal parceiro americano na América do Sul, tendo recebido cerca de US$ 14 bilhões (R$ 75,3 bilhões no câmbio atual) em ajuda externa desde 2000. Os países mantêm uma cooperação estreita, incluindo treinamento militar, troca de informações de inteligência e o uso de equipamentos americanos, como helicópteros Blackhawk, em operações contra o crime organizado.
No entanto, as relações se deterioraram com o retorno de Trump à Casa Branca. Determinado a "recuperar o quintal" dos EUA — expressão usada pelo secretário de Defesa Pete Hegseth —, o republicano tem favorecido líderes ideologicamente alinhados, como Javier Milei e Nayib Bukele, enquanto enfrenta resistência de Petro, ex-guerrilheiro e primeiro presidente de esquerda da Colômbia, que critica a postura intervencionista americana.
Ainda no domingo, após as publicações de Trump na Truth Social — em que chamou Petro de "um líder mal avaliado", "muito impopular" e "com uma boca suja em relação aos EUA" —, o presidente colombiano respondeu dizendo que o país nunca tratou os EUA de forma "grosseira", mas que Trump "é grosseiro e ignorante" com a Colômbia.
Petro vem denunciando o aumento da presença militar americana na região e as mortes causadas por operações navais. Na sexta-feira, acusou "funcionários do governo dos EUA" de matarem um pescador colombiano sem relação com o tráfico de drogas.
Narcotráfico e terrorismo
O envio de tropas americanas ao Caribe foi inicialmente apresentado como parte do combate ao narcotráfico marítimo. Os principais alvos, segundo Washington, seriam o Cartel de los Soles — supostamente liderado por Maduro — e o Tren de Aragua, classificado como grupo terrorista. No entanto, o alcance das operações foi ampliado.
Colômbia e Trinidad e Tobago denunciaram mortes de civis durante as ações. O secretário de Defesa americano afirmou que um barco afundado recentemente pertencia ao Exército de Libertação Nacional (ELN).
"Esses cartéis são a al-Qaeda do Hemisfério Ocidental, usando violência, assassinato e terrorismo para impor sua vontade, ameaçar nossa segurança nacional e envenenar nosso povo. Os militares dos EUA tratarão essas organizações como os terroristas que realmente são — elas serão caçadas e mortas, assim como a al-Qaeda", escreveu Hegseth.
Apesar do aumento da produção de cocaína na Colômbia em 2024, segundo estimativas da ONU — que o governo contesta, alegando falhas metodológicas —, especialistas criticam a estratégia americana de militarizar o Caribe, região com rotas secundárias de tráfico. "Os EUA estão ultrapassando os limites do direito internacional.", disse Sergio Guzmán, diretor da Colombia Risk Analysis, em entrevista ao Wall Street Journal.