Fraude do INSS: entidades usavam cópias de RG para fraudar biometria de aposentados

Documentos da Controladoria-Geral da União (CGU) mostram que entidades envolvidas na Farra do INSS chegaram a usar fotos xerocadas e manipuladas de RG para burlar a biometria facial exigida pelo Instituto Nacional do Seguro Social no momento de filiar aposentados. Dessa forma, os descontos associativos eram aplicados nos benefícios sem que houvesse consentimento.
A reportagem obteve milhares de páginas entregues por essas entidades nos processos de Acordos de Cooperação Técnica (ACTs) com o INSS. O material inclui fichas de filiação, contratos, além de fotos de aposentados produzidas por associações e sindicatos em parceria com empresas de biometria ligadas aos investigados no esquema bilionário de descontos irregulares, revelado pelo Metrópoles.
Os registros indicam filiações fraudulentas, com manipulações e até cópias simples de fotos de RG colocadas no espaço que deveria conter selfies atuais dos aposentados, para confirmar a anuência em relação aos descontos.
A obrigatoriedade da biometria facial para validação de filiações passou a vigorar em 2024, após o Metrópoles expor a farra dos descontos. Contudo, a CGU constatou que plataformas eletrônicas foram usadas para simular legalidade, descumprindo normas do INSS que também exigiam biometria digital.
Segundo a apuração, associações recorreram a empresas que teriam desenvolvido ferramentas específicas para criar fichas falsas. Entre elas estão Soluções Power BI Software Tecnologia e Internet, Confia Tecnologia da Informação e Dataqualify Desenvolvimento, Assessoria e Dados.
Essas empresas foram contratadas por entidades investigadas que arrecadaram R$ 2,2 bilhões em descontos indevidos. O esquema foi desarticulado pela Operação Sem Desconto, deflagrada pela Polícia Federal (PF) em abril. Nos pedidos à Justiça, a PF anexou 38 reportagens do Metrópoles.
Entre as fichas analisadas, diversas apresentavam fotos antigas de RG, muitas delas até copiadas em preto e branco e coloridas de forma artificial. Algumas mostravam os aposentados visivelmente mais jovens no lugar da selfie obrigatória.
A Cenap.Asa, responsável por várias dessas filiações, já foi descredenciada pelo INSS e é alvo de ações judiciais e de processo de responsabilização pela CGU. Também acumula reclamações por descontos no Reclame Aqui. Um dos reclamantes afirmou: “Como havia dito, estou com documento gerado por esta empresa que é falsificado e este administrador não responde nenhuma ligação para esclarecer”.
A reportagem identificou ainda oito entidades que contrataram a Power BI, pertencente ao empresário Igor Dias Delecrode, investigado na Farra do INSS. Apenas com essas entidades foram arrecadados R$ 1,4 bilhão. Delecrode também manteve vínculos formais como dirigente em três delas: Amar Brasil, Master Prev e Aasap. Todas estão sob investigação.
Por trás dessas associações estão empresários ligados ao setor de crédito consignado e clubes de benefícios, como Américo Monte, Anderson Cordeiro e Felipe Gomes Macedo, que juntos receberam mais de R$ 70 milhões. A PF apontou que Macedo doou R$ 60 mil à campanha do ex-ministro Onyx Lorenzoni. Em ações na Justiça, assinaturas dessas entidades têm sido desconsideradas.
Em um processo, a Aasap apresentou um contrato com assinatura digital, mas a geolocalização mostrou que o aposentado estava em São Paulo, a 580 km de sua cidade no Mato Grosso do Sul. A entidade foi condenada.
Outro caso envolve a AASPA, que faturou R$ 6 milhões. Seu presidente, Anderson Ladeira, também dono da empresa Dataqualify, é investigado por validar fichas fraudulentas. Segundo a PF, Ladeira fez pagamentos ao lobista Antonio Carlos Camilo Antunes, o Careca do INSS, ligado ao ex-diretor de Benefícios, André Fidelis, demitido em 2023 após denúncias.
Além da Power BI e da Dataqualify, a CGU também apura fichas feitas pela Confia, contratada pelo Sindnapi — sindicato dirigido por Frei Chico, irmão do presidente Lula — e pela Anapps, que arrecadou R$ 127 milhões.
O Metrópoles procurou as empresas e entidades citadas, mas não obteve resposta até a publicação desta reportagem.