EUA estão entregando mercado chinês de soja ao Brasil, diz estrategista

A relação comercial entre EUA e China no mercado de soja sofreu um dano profundo e deve permanecer longe do “normal” no futuro próximo, avalia Stephen Nicholson, vice-presidente executivo do Rabobank nos Estados Unidos. O Rabobank é um dos maiores bancos de financiamento do agronegócio do mundo. A análise de Nicholson, que acumula a função de estrategista global do banco para grãos, óleos vegetais e insumos agrícolas, é baseada em dados do mercado.
Em entrevista à coluna, ele afirmou que os embarques norte-americanos para a China se tornaram erráticos e que o país perdeu a confiança do comprador global, comparando a situação atual ao embargo à União Soviética em 1979, que marcou os EUA como um fornecedor "pouco confiável" por anos.
A solução, segundo ele, é na pura pragmática do mercado: a China só voltará a comprar dos EUA se o preço americano for mais baixo que o do Brasil, ou em caso de quebra de safra na América do Sul.
Recentemente o senhor afirmou, em uma entrevista à Bloomberg, que os EUA “entregando participação de mercado ao Brasil”. De sua perspectiva, quão profundo e duradouro é o dano da relação EUA-China no mercado da soja?
NICHOLSON: Hoje o dano já é muito profundo. A China não importa nenhuma saca de soja dos EUA desde maio, nem comprou qualquer volume para o ano-safra 2025/26, que começou [a ser colhida] em 1º de setembro. E não esperamos nenhuma compra no futuro previsível. Dito isto, as dinâmicas do mercado podem mudar rapidamente. Se os chineses são algo, eles são pragmáticos. Se a soja dos EUA for mais barata que a brasileira ou argentina, é provável que você volte a comprar a soja dos EUA. Já vimos os preços da soja brasileira subirem com as compras chinesas. Além disso, caso o Brasil ou a Argentina tenham algum déficit de produção, a soja dos EUA provavelmente voltaria ao radar da China.
Com a atual guerra tarifária ainda restringindo os fluxos, qual a extensão do prejuízo que a falta de compras chinesas causa aos agricultores dos EUA? Tanto em termos de renda agrícola quanto para a cadeia de valor da soja no país.
NICHOLSON: Já vimos uma queda nos preços recebidos pelos agricultores. É surpreendente que os preços futuros para entrega próxima ainda estejam negociando a mesma faixa de preço exigida em agosto de 2024. No entanto, os níveis de base [prêmio ou deságio sobre a bolsa] são US$ 0,10 a US$ 0,25 por bushel mais baixos do que há um ano [1 bushel equivale a 27,2 kg; no Brasil, o padrão do comércio de soja é por saca de 60 kg]. Simplesmente não há substituto para os compradores chineses de soja. Para colocar alguns números nisso: no ano-safra 2024/25, a China importou 106,5 milhões de toneladas de soja, enquanto o resto do mundo importou 71,67 milhões de toneladas. O maior período de exportação de soja dos EUA para a China foi de 36 milhões de toneladas na Safra 2016/17.
Realisticamente, existe algum mercado capaz de absorver o volume que os EUA estão deixando de exportar para a China?
NICHOLSON: A China é central para qualquer exportação de soja por causa de seu tamanho. Os EUA vêm perdendo participação de mercado para o Brasil desde 2013, quando o Brasil se tornou o maior exportador de soja do mundo.
Se um acordo comercial entre EUA e China para progresso, os embarques de soja poderiam voltar aos níveis vistos antes das tarifas tarifárias? Ó Sr. vê isso como o cenário mais provável no futuro?
NICHOLSON: Acho que é um grande “se” que os EUA e a China cheguem a um acordo comercial em um futuro próximo. [Mas] acredito que ocorreram danos excessivos no relacionamento entre os dois países para que as exportações de soja dos EUA voltem ao normal tão cedo. As exportações de soja dos EUA têm sido erráticas, na melhor das hipóteses, e só se recuperam nos anos em que o Brasil tem um déficit de produção. Quando [o presidente americano Jimmy] Carter (1979-1982) impôs um embargo às exportações para a então URSS em 1979, levou muitos anos para que as exportações dos EUA se recuperassem, pois os EUA passaram a ser considerados um fornecedor pouco confiável.
Além da política comercial, que outros fatores, como logística, custos ou teor de proteína, determinarão se a soja dos EUA pode competir eficazmente contra a oferta brasileira no médio prazo?
NICHOLSON: No médio prazo, a soja dos EUA competirá por custo e logística. Com a soja dos EUA sendo "rejeitada" pela China, isso tornará a soja dos EUA mais competitiva no mercado de exportação, o que será atraente para todos os compradores. A China vai aumentar o preço para si mesma, já que está comprando soja exclusivamente do Brasil. Os EUA competem em logística, pois temos visto backups portuários significativos no Brasil; os compradores querem entregas no prazo e moverão seus negócios para os EUA, já que nossa logística é muito mais capaz de atender aos requisitos de entrega dos compradores. Como sempre digo, grão é como água: vai encontrar uma rachadura e fluir por ela. Se os EUA forem uma "rachadura" melhor, é para lá que os compradores irão gravitar.