Câmara acumula 64 propostas que miram mudanças no Judiciário

Ao menos 64 PECs (Propostas de Emenda à Constituição) que buscam modificar o funcionamento do Poder Judiciário estão com tramitação paralisada na Câmara dos Deputados, conforme levantamento da CNN.
A análise abrangeu todas as propostas em tramitação que abordam mudanças na estrutura, funcionamento, composição e controle externo do Poder Judiciário, assim como de órgãos diretamente relacionados, como o Ministério Público e os Tribunais de Contas.
As PECs que têm o STF como alvo são as mais frequentes: pelo menos 15 projetos sugerem alterações nos critérios de escolha, nomeação, mandatos ou funcionamento dos ministros da Corte. Apesar disso, nenhuma das propostas é robusta ou apresenta mudanças significativas no sistema de Justiça.
A proposta mais antiga é do ex-deputado João Campos (PSDB-GO), apresentada em 2005. Ela modifica a forma de escolha dos ministros do STF, transferindo essa responsabilidade do presidente da República para o Congresso Nacional.
A proposta também institui uma “quarentena” de quatro anos para impedir a indicação de pessoas que tenham exercido mandato eletivo, cargo de ministro de Estado ou presidência de partido político, com o intuito de reduzir a influência político-partidária nas nomeações.
A última movimentação do projeto ocorreu em 2023, com a apresentação do parecer favorável do relator Antônio Carlos Biscaia (PT-RJ).
As propostas mais recentes são de 2023 e 2024, marcando uma ofensiva do Congresso com uma série de matérias que restringem os poderes do Supremo em meio a uma crise política entre os Poderes.
Em outubro de 2024, a CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) da Câmara aprovou uma PEC que permite ao Congresso revogar decisões do STF caso considere que a Corte ultrapassou os limites da função jurisdicional.
A comissão também aprovou outra proposta que limita decisões monocráticas do Judiciário, ou seja, aquelas proferidas por um único magistrado.
“É isso que nós, parlamentares, temos que fazer: criar leis que enquadrem o Supremo, que façam com que ele trabalhe como um colegiado e não como 11 ministros isolados, como se tivéssemos 11 Supremos Tribunais Federais”, afirma o senador Oriovisto Guimarães, autor da proposta. Os dois textos aguardam análise de comissão especial antes de serem levados a plenário.
Outros dois projetos que avançaram na CCJ ampliam as hipóteses de crime de responsabilidade de ministros do STF, que poderiam levá-los a responder a processos de impeachment.
A interpretação feita pelos ministros é a de que o avanço das propostas representa uma retaliação ao STF após a decisão que suspendeu a execução das emendas parlamentares por falta de transparência e de rastreabilidade. Segundo alguns magistrados, as decisões não são compatíveis com a democracia.
Dentre as propostas levantadas pela CNN, outro eixo comum é o fim ou a limitação do foro por prerrogativa de função, com pelo menos seis PECs tratando do assunto.
Também são frequentes as propostas que alteram regras de ingresso e disciplina de juízes e membros do Ministério Público, além de mudanças na composição e nas competências de conselhos como o CNJ (Conselho Nacional de Justiça) e o CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público).
Nos últimos 20 anos, apenas 2020 e 2006 não contaram com propostas para modificar o funcionamento do Judiciário brasileiro. No entanto, até então, não houve grandes mudanças sobre competências e organização estrutural, mantendo o sistema de justiça no mesmo formato.
Reforma do Judiciário
A última reforma da Justiça ocorreu com a Emenda Constitucional 45, publicada em 31 de dezembro de 2004, após 13 anos de tramitação no Congresso Nacional.
Na última atualização, novas diretrizes foram implementadas para o ingresso e a promoção na magistratura, redefiniram-se as competências da Justiça do Trabalho e da Justiça Federal, além da criação do CNJ como órgão de controle e planejamento do Judiciário.
Na avaliação de Lígia Azevedo Ribeiro Sacardo, especialista em direito civil e advogada no escritório Rayes e Fagundes, a reforma do Judiciário é um tema relevante e necessário atualmente. Segundo ela, o sistema precisa encontrar alternativas para reduzir o volume de processos, desafogar os tribunais superiores e aumentar o tempo de tramitação dos processos.
A advogada ainda menciona que pontos de melhoria devem ser sobre a valorização da solução consensual de conflitos, o fortalecimento da primeira instância, a ampliação da digitalização e o aprimoramento dos critérios de acesso aos tribunais superiores.
"Qualquer proposta de reforma, no entanto, deve preservar a independência do Poder Judiciário, a segurança jurídica e os direitos fundamentais", pondera Lígia Sacardo à CNN.
O tema sobre a reforma do Judiciário retorna ao debate público após a instalação de uma comissão na OAB-SP (Ordem dos Advogados do Brasil, seccional de São Paulo), que pretende elaborar propostas de anteprojetos para ajustes no sistema de Justiça.
Comissão OAB-SP
Em entrevista à CNN, o presidente da OAB-SP, Leonardo Sica, explica que a capacidade de autocorreção é uma regra para toda instituição na democracia. "Está na hora de a gente discutir de maneira democrática algumas autocorreções", relatou.
Na avaliação de Sica, ao longo dos anos, o STF "alargou" suas competências, especialmente na esfera criminal. "O STF se tornou um grande tribunal penal, julga muitos políticos", afirmou.
Além disso, outras discussões que são disputas entre o Legislativo e o Executivo acabam chegando para definição pela Corte, como o caso recente do IOF (Imposto sobre Operações Financeiras). "Isso politiza o tribunal. Por um lado, temos uma constituinte que permite isso, mas a nossa Constituição também prevê regras de autocontenção", detalhou.
Segundo ele, o ministro Edson Fachin, que tomará posse como presidente do STF ainda neste ano, já se mostrou favorável à discussão. "A gente confia muito que os ministros estão abertos à discussão. Até porque vai ser uma discussão levada em tom cordial, moderada, longe dos extremos", explicou.
A comissão da OAB-SP que estuda propostas para a reforma do Judiciário foi instituída em 23 de junho. O grupo estabeleceu cinco eixos de debates: morosidade, integridade, acesso à Justiça, estabilidade e STF.
Após discutir as mudanças e ouvir colaborações dos setores da sociedade, a comissão deve elaborar propostas de reforma do Judiciário. Uma proposta de anteprojeto de lei será levada para debate no Congresso Nacional no início de 2026. Outro texto será apresentado ao setor do Judiciário.