TCE aponta falta de transparência em emendas do governo Tarcísio

O relatório do TCE-SP (Tribunal de Contas do Estado de São Paulo) sobre as contas do estado em 2024 indicou falta de transparência nas emendas distribuídas pelo governo Tarcísio.
O que aconteceu
Em 2024, o governo de São Paulo distribuiu quase R$ 1,1 bilhão em "emendas voluntárias" sugeridas por deputados estaduais. No relatório sobre a prestação das contas de 2024 do governador, o órgão avalia que a divulgação de informações sobre os repasses ocorre em nível "inferior ao praticado pelo governo federal, que segue recomendações do Supremo Tribunal Federal para maior rastreabilidade e controle público".
Os recursos são aplicados em municípios, fundos públicos, ONGs e secretarias estaduais. Antes denominadas "demandas parlamentares", as atualmente oficialmente "transferências voluntárias" permitem o repasse de dinheiro a partir de indicações feitas pelos deputados estaduais, que frequentemente favorecem suas bases eleitorais, ou por iniciativa do próprio Executivo.
O relatório do TCE apontou a falta de controle orçamentário e financeiro específico das emendas voluntárias. Segundo o documento, isso impede "identificar os recursos destinados a essa modalidade em razão de indicações parlamentares." O governo do estado informou ao TCE que as transferências "não se incorporam ao orçamento público, pois emergem apenas na etapa de execução do orçamento e não criam obrigação de execução."
Os critérios para a distribuição das emendas em São Paulo não são claros, diz o TCE. Com isso, não é possível avaliar se as propostas para a aplicação dos recursos têm viabilidade técnica e se elas teriam alguma vinculação com as políticas públicas implementadas pelo governo.
As indicações já foram comparadas ao "orçamento secreto" do governo federal. Isso ocorre porque as emendas voluntárias não estão incluídas no orçamento público, dificultando saber de onde o governo obtém recursos para executá-las. Só foi possível identificar os deputados responsáveis pelas indicações e o beneficiário dos recursos a partir de 2023, quando o governo começou a publicar os dados em um painel na internet.
Outro lado. Em nota, o governo de São Paulo informou que avalia "permanentemente" ações para aprimorar a "transparência e o bom uso" das verbas públicas. Uma das medidas analisadas é a implementação do plano de trabalho prévio para o pagamento de emendas. A gestão ressaltou também que todas as transferências podem ser consultadas, desde 2023, no site da Secretaria de Governo e Relações Institucionais (leia a nota completa abaixo).
PL e Republicanos foram os partidos com mais emendas efetivamente pagas em 2024. Veja o ranking das cinco siglas que mais receberam (todas fazem parte da base aliada do governador na Alesp):
- PL: R$ 252,7 milhões
- Republicanos: R$ 133,6 milhões
- União Brasil: R$ 117,3 milhões
- PSDB: R$ 107,5 milhões
- PSD: R$ 74,9 milhões
Emendas Pix
O TCE também apontou problemas de transparência com as chamadas "emendas Pix" do governo estadual. Nesta modalidade de transferência, o recurso é depositado diretamente na conta do município.
As emendas Pix não têm finalidade definida, podendo ser utilizadas pelos prefeitos da forma que desejarem. Denominados oficialmente de "transferências especiais", esses depósitos são feitos a partir de indicações feitas pelos deputados estaduais, geralmente beneficiando suas bases eleitorais.
Setenta por cento dos valores precisam ser aplicados nas chamadas despesas de capital (infraestrutura, equipamentos e obras, entre outras). Em 2024, o governo liberou cerca de R$ 79 milhões nessa modalidade de emenda.
O TCE indica que a prestação de contas sobre a utilização dos recursos pelos municípios não é obrigatória. Ocorre apenas se houver solicitação do governo, e não como procedimento padrão e rotineiro, de acordo com o tribunal.
Os repasses não possuem plano de trabalho, ao contrário do que recomenda o STF. Segundo o TCE, esses planos, que indicam como o dinheiro será aplicado, são essenciais para a "boa governança e correta aplicação dos recursos públicos".
"Tais achados indicam fragilidades que podem impactar negativamente a eficiência, a impessoalidade e a efetividade na aplicação do dinheiro."
Trecho de relatório do TCE sobre contas de 2024 de Tarcísio de Freitas
Emendas para ONGs têm 'baixa transparência'
O mecanismo de controle sobre transferências para ONGs é falho, aponta o TCE. "Os mecanismos de controle do governo estadual sobre a transparência dessas entidades limitam-se a ações informativas e de capacitação, sem um sistema de fiscalização efetivo", diz trecho do relatório.
As ONGs não detalham o que fazem com as emendas. O tribunal identificou que, das 30 entidades que mais receberam transferências no ano passado, apenas uma publicou informações detalhadas sobre a utilização dos recursos.
No âmbito federal, os repasses para entidades são suspeitos de irregularidades. Uma série de reportagens do UOL revelou a chamada "farra das ONGs", que mostra que ao menos sete instituições que receberam quase R$ 500 milhões em emendas parlamentares entre 2021 e 2023 possuem indícios de desvios de recursos públicos por meio de uso de laranjas, superfaturamento e pagamento por serviços fictícios.
Flávio Dino mandou investigar emendas do governo federal para ONGs. O ministro do STF determinou a abertura de auditoria pela CGU (Controladoria-Geral da União) para fiscalizar os repasses às entidades, que mostrou que cinco das dez investigadas não tinham condições de executar os projetos para os quais foram contratadas.
Entenda como funcionam as emendas parlamentares
Atualmente, há pelo menos três modalidades de emendas parlamentares distribuídas pelo governo de São Paulo:
- Emendas impositivas: São de execução obrigatória, ou seja, precisam ser pagas pelo Executivo. Metade do orçamento desta modalidade de transferências deve ser aplicada na área da saúde. São consideradas mais transparentes e rastreáveis que as demais formas de repasses.
- Emendas voluntárias (transferências voluntárias): Não são de execução obrigatória. Antigamente chamadas de "demandas parlamentares", podem ser tanto de indicação de deputados como do próprio governo, podendo ser repassadas para municípios, ONGs, fundos públicos e até secretarias estaduais. São consideradas menos transparentes porque não constam no orçamento público e não têm critérios para distribuição.
- Emendas Pix: São um tipo de emenda impositiva, ou seja, de execução obrigatória. Funcionam, no entanto, de maneira diferente das demais emendas impositivas. Elas são repassadas diretamente aos municípios e não têm finalidade definida, exceto pela determinação de que 70% dos recursos devem ser aplicados em despesas de capital.
O orçamento previsto em 2024 para emendas impositivas foi de R$ 1,042 bilhão. A quantia é menor do que a disponibilizada para as transferências especiais, de R$ 1,47 bilhão. Em 2025, o governo estadual prevê R$ 1,19 bilhão para as emendas impositivas e R$ 766 milhões para as da modalidade Pix, valores que podem aumentar ao longo do ano.
O que diz o governo de São Paulo
O Governo de São Paulo avalia continuamente ações para aprimorar a transparência e o bom uso das verbas públicas, a exemplo do plano de trabalho prévio para o pagamento das emendas, cuja implementação está em análise. A Secretaria de Governo e Relações Institucionais esclarece que todas as emendas impositivas e indicações parlamentares realizadas desde 2023 podem ser consultadas no site da secretaria, com informações sobre o parlamentar responsável pela indicação e o beneficiário da verba, além de informações sobre o projeto (quando aplicável).
As transferências especiais são uma modalidade de emendas individuais impositivas no orçamento do Estado de São Paulo, previstas no artigo 175-A, I, da Constituição Estadual e consistem nos repasses de recursos diretamente aos municípios, independentemente da celebração de convênio ou instrumento congênere, para a aplicação em programações finalísticas das áreas de competência do Poder Executivo Municipal, exceto pagamento de pessoal, encargos sociais e dívidas, sendo que, no mínimo, 70% destes recursos deverão ser aplicados em despesas de capital.