Visita de Lula a Cristina Kirchner deixa clima tenso com Milei na cúpula do Mercosul

A segunda cúpula do Mercosul que contará com a presença dos presidentes do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, e da Argentina, Javier Milei, desde que o argentino assumiu o cargo em dezembro de 2023, ficará em segundo plano devido à visita que o brasileiro fará à ex-presidente argentina Cristina Kirchner (2007-2019), condenada a seis anos de prisão por corrupção e atualmente em regime de prisão domiciliar. Na quarta-feira, a Justiça argentina deu permissão para que Lula visite Cristina, aprovando um pedido feito pelos advogados de defesa da ex-presidente. Por sua vez, a Secretaria de Comunicação da Presidência (Secom) confirmou o encontro.
Nesse contexto, fontes oficiais argentinas afirmaram que a decisão da Casa Rosada será “manter uma atitude cautelosa, evitar comentários e buscar blindar a cúpula de situações políticas externas”.
No entanto, a tensão é palpável na capital argentina. Milei, que nunca demonstrou grande entusiasmo pelo Mercosul, foi persuadido por representantes do setor privado e aliados estratégicos a manter a Argentina no bloco. O principal motivo é que o Mercosul funciona como uma plataforma comercial para seus membros, permitindo negociações mais vantajosas com outros blocos e países. Um exemplo disso é o acordo com a União Europeia (UE), que ainda aguarda assinatura e enfrenta oposição de alguns países europeus, como a França de Emmanuel Macron.
Milei, que sediará pela primeira vez uma cúpula presidencial, decidiu reagir de maneira “civilizada”, conforme destacou uma fonte argentina.
"O presidente argentino não gostou da notícia, claro, mas não deve reagir. Milei é imprevisível, mas a ideia do governo é não comentar a visita de Lula a Cristina. Não querem prejudicar o Mercosul nem abrir uma frente de conflito com o Judiciário argentino.", relatou uma das fontes consultadas.
Cordial e civilizado
Outra fonte argentina reconheceu que “a visita de Lula a Cristina não será boa para a relação bilateral, mas evitaremos sobressaltos na cúpula”. O que ninguém consegue controlar é a ação da tropa digital de Milei nas redes sociais. Ontem, aliados do presidente começaram a publicar mensagens criticando a visita de Lula à ex-presidente em plataformas como X e Instagram.
"[O encontro entre Lula e Cristina] Ajudar, não ajuda. Mas tentaremos manter um clima cordial.", complementou a fonte argentina.
De acordo com fontes do governo brasileiro, Lula visitará a ex-presidente, que está detida em seu apartamento no bairro portenho de Constitución, após o término da cúpula presidencial. Em seguida, o presidente brasileiro partirá para o Rio de Janeiro, onde será anfitrião, nos dias 6 e 7, da cúpula de presidentes e chefes de governo do Brics.
Ao longo do dia de ontem, representantes do governo brasileiro dialogaram com autoridades argentinas sobre a visita de Lula a Cristina. Segundo fontes oficiais, o diálogo “foi cordial e muito civilizado”. O governo argentino, conforme fontes locais, compreendeu que é difícil para Milei contestar publicamente a decisão de Lula, “lembrando que o presidente argentino já fez o mesmo com o ex-presidente Jair Bolsonaro”. De fato, Milei não compareceu à cúpula de presidentes do Mercosul no Paraguai, em meados do ano passado, e viajou a Santa Catarina para se encontrar com Bolsonaro e outros aliados da extrema direita internacional.
Nas últimas semanas, houve intensos debates no governo brasileiro sobre a conveniência desse encontro. O Itamaraty foi contra a visita, argumentando, segundo fontes, “que um encontro entre Lula e Cristina poderia trazer complicações na relação com a Casa Rosada e, também, no cenário interno brasileiro”.
"Para que isso agora?", questionou uma fonte diplomática.
Por outro lado, a ala política, tanto no Palácio do Planalto quanto no Partido dos Trabalhadores (PT), sempre apoiou a visita — em linha com o desejo de Lula desde que a Corte Suprema de Justiça argentina confirmou a condenação de Cristina, em meados de junho. A única ressalva era que o encontro deveria ocorrer “num âmbito de segurança para a ex-presidente, com autorização judicial. Ninguém quer prejudicar a situação judicial de Cristina”.
Os defensores da visita também argumentaram que “Milei já aprontou tantas, que não poderia reclamar da visita de Lula a Cristina”, mencionando que o argentino “se ausentou de uma cúpula do Mercosul para reunir-se com Bolsonaro”.
Sem incomodar vizinhos
Na decisão dos tribunais portenhos, consta que “Cristina Kirchner é autorizada a receber em seu domicílio, onde cumpre prisão domiciliar, a visita do presidente da República Federativa do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, no dia 3 de julho”. Ressalta-se que deve haver estrito cumprimento da regra de conduta estipulada no ponto III.B da decisão de 17 de junho passado, ou seja, o dever de “abster-se de adotar comportamentos que possam perturbar a tranquilidade da vizinhança e/ou alterar a convivência pacífica de seus habitantes”.
Nesta semana, os procuradores do caso voltaram a pedir que a ex-presidente seja transferida para um estabelecimento do serviço penitenciário federal. Cristina argumenta que tem direito à prisão domiciliar por ter mais de 70 anos (ela tem 72) e por ter sofrido uma tentativa de assassinato. No entanto, os promotores alegam que ela não correria riscos em uma prisão comum e que sua idade não justifica a permanência em casa.
Qualquer deslize de Cristina, como situações que incomodem os vizinhos, poderia resultar na vitória dos procuradores.