O que começou como um flerte de Elon Musk com o populismo de direita se transformou em um capítulo decisivo — e possivelmente prejudicial — para sua carreira empresarial. Ao endossar o movimento Make America Great Again de Donald Trump e partidos de extrema direita na Europa, Musk afastou parte considerável de seu público consumidor, minando a imagem da Tesla e suas vendas ao redor do mundo.

A ruptura recente com Trump agravou ainda mais a situação. O rompimento público desencadeou ameaças de retaliação vindas do ex-presidente, que pode usar a máquina estatal para pressionar os negócios de Musk. O bilionário agora enfrenta uma combinação rara de crises: queda na fidelidade à marca, instabilidade financeira e riscos legais e regulatórios crescentes.

As vendas da Tesla estão em queda diante da crescente polarização política. A SpaceX, antes vista como ativo estratégico nacional, passa a ser alvo de escrutínio, enquanto o X (antigo Twitter), aposta de US$ 44 bilhões na “liberdade de expressão”, pode perder força com a erosão de apoio político e publicitário.

“Ele não está agindo no interesse dos acionistas”, disse Ross Gerber, da Gerber Kawasaki, que tem reduzido sua participação na Tesla. “Estamos assistindo ao desmonte do império Musk em tempo real.”

Agora, Musk se vê isolado. “Ninguém da direita vai comprar um Tesla, ninguém da esquerda vai comprar um Tesla. Elon é um homem sem país”, resumiu Steve Bannon, ex-conselheiro de Trump. Bannon afirma que está articulando com aliados do ex-presidente para retirar Musk de acessos a informações sigilosas e até usar a Lei de Produção de Defesa para confiscar a SpaceX e a Starlink, alegando motivos de segurança nacional.

Trump não precisa de medidas radicais para retaliar. Agências reguladoras como SEC, NHTSA e FAA têm ferramentas suficientes para dificultar a vida das empresas de Musk com fiscalizações e entraves burocráticos.

A briga já teve impacto direto: em um único dia, Musk perdeu US$ 34 bilhões em patrimônio — a segunda maior perda já registrada no Índice de Bilionários da Bloomberg. A Tesla, por sua vez, perdeu US$ 153 bilhões em valor de mercado, com recuperação parcial após Musk tentar amenizar o tom.

Apesar de já ter superado outras crises, o cenário agora é mais delicado. Investidores e analistas apontam que Musk precisa voltar o foco para os negócios. “Ele precisa diminuir o drama e focar no crescimento”, afirmou Nancy Tengler, da Laffer Tengler Investments.

Para se reerguer, Musk precisa reacender o interesse por seus veículos elétricos, recuperar mercado nos EUA e Europa e viabilizar o projeto de robotáxis em Austin, além de avançar na regulação de veículos autônomos — que antes contava com apoio de Trump.

Segundo o analista Adam Jonas, do Morgan Stanley, a tensão pode afastar consumidores e investidores dos dois espectros políticos. Em relatório intitulado “Bom, Isso Escalou Rápido...”, ele manteve a projeção de longo prazo para as ações da Tesla, mas alertou sobre a volatilidade no curto prazo.

Nos bastidores, Musk busca recursos: uma emissão de dívida de US$ 5 bilhões da xAI Corp., além de novas rodadas de financiamento para a própria xAI, a SpaceX e a Neuralink, que recentemente captou US$ 650 milhões com apoio de fundos como Sequoia e ARK.

O maior risco, porém, é a possível guinada de Trump contra os contratos governamentais. A SpaceX recebeu mais de US$ 22 bilhões da NASA e do Departamento de Defesa desde 2000. A ameaça de Musk de encerrar o uso da nave Dragon — crucial para o programa espacial dos EUA — causou alarme, embora ele tenha recuado.

“É insustentável que o CEO de uma contratada-chave de defesa ameace interromper serviços pagos pelo governo”, afirmou Lori Garver, ex-vice da NASA. Ela ressalta que a relação entre o governo e a SpaceX é simbiótica: um depende do outro.

Mesmo sem ações concretas, o governo pode atrasar lançamentos espaciais, fiscalizações ou travar regulações, afetando a Tesla, o X e as demais empresas de Musk. Investigações envolvendo a SEC, FTC e outras agências estão no radar.

Por enquanto, Musk e Trump parecem ter esfriado a disputa. Trump, segundo assessores, foca agora na economia. Nos bastidores, avalia até se desfazer de seu Tesla — mais um símbolo do rompimento.