Igreja de Lúcifer na via Dutra aguarda alvará para receber fiéis

Folha de São Paulo
Igreja de Lúcifer na via Dutra aguarda alvará para receber fiéis Mestre Jonan e bode Zebu à frente da primeira Igreja Luciferiana do Brasil, localizada em Itatiaia, no Rio de Janeiro - Danilo Verpa/Folhapress

No quilômetro 326 da Via Dutra, logo após deixar São Paulo rumo ao Rio de Janeiro, uma construção inusitada chama a atenção dos motoristas: uma pequena igreja pintada de preto, com detalhes em vermelho e cruzes invertidas. Ao lado, um bode preto de nome Zebu, por vezes visto na entrada, completa o cenário que desperta tanto curiosidade quanto controvérsia. Trata-se da primeira Igreja Luciferiana do Brasil, prestes a ser oficialmente inaugurada em Itatiaia (RJ).

O idealizador do templo é Jonathan de Oliveira Ribeiro, conhecido como Mestre Jonan, um empresário de 31 anos, natural de Volta Redonda. Dono de um Porsche e líder espiritual com mais de uma década de atuação, Jonan é praticante da quimbanda — tradição afro-brasileira voltada ao culto de exus. No terreno onde hoje ergue a igreja, ele já havia construído anteriormente uma espécie de castelo medieval, sede de seu terreiro.

A igreja ainda aguarda alvará de funcionamento, o que impede a realização de eventos públicos. O único culto realizado até o momento, em março deste ano, foi fechado e contou com a presença de discípulos e a celebração de um casamento. “Aqui não pode ter nenhum furo, nenhum mesmo”, diz Jonan, ciente de que a associação com Lúcifer gera desconfiança e atrai fiscalização redobrada. “É a ‘igreja do diabo’, como dizem por aí. Vão fazer de tudo para tentar derrubar.”

Contudo, ele refuta a ideia de que o templo tenha ligação com o mal. Segundo sua interpretação, Lúcifer representa a busca pelo conhecimento e a liberdade de pensamento — algo que, segundo ele, é combatido pelas religiões tradicionais. “Conhecimento demais atrapalha a manipulação direta do ser humano”, afirma. “O luciferianismo é justamente contra isso.”

Jonan defende que tudo, inclusive sentimentos negativos como ódio e traição, faz parte da criação divina. “Temos que vivenciar essas energias e nos tornarmos mais fortes, até estarmos prontos para nos sentar ao lado de Deus”, resume.

Com cerca de 4 milhões de seguidores nas redes sociais, onde realiza cultos online e oferece serviços espirituais a preços a partir de R$ 277, Mestre Jonan tornou-se uma figura conhecida no meio esotérico. Entre os frequentadores de seus rituais estão desde anônimos até figuras públicas, como jogadores de futebol e apresentadoras de TV, segundo relata.

Os rituais envolvem sacrifícios de animais como galinhas, patos, bodes e até bois — prática permitida pelo Supremo Tribunal Federal desde 2019, desde que sem crueldade. Os animais são abatidos com faca e têm partes utilizadas em oferendas ou transformadas em objetos rituais, como tambores. A carne, congelada, é consumida por membros da comunidade religiosa. “Há um jejum de carne por 45 dias antes do sacrifício, por respeito ao animal”, explica o mestre.

A prática, no entanto, ainda gera forte resistência. Jonan conta que precisa distribuir vales ao invés de alimentos diretamente à população carente, pois muitos recusam doações por associarem ao que chamam de “macumba”. Em outro episódio, foi acusado pela polícia de realizar sacrifícios humanos, e chegou a ser alvo de um ataque violento no templo. “Disseram que iam me matar. O agressor foi preso. Dizia ser cristão, mas cristão de verdade tem amor ao próximo.”

A estética provocativa do local, repleta de imagens de exus e figuras demoníacas, tem também uma função estratégica. “Essa história de mostrar o Satã é mais publicidade mesmo”, admite. “A igreja foi construída à beira da rodovia para impactar a psique de quem passa.”










Às margens da principal via que liga o Sudeste ao Sul do país, a igreja de Mestre Jonan é um retrato da pluralidade religiosa brasileira — ao mesmo tempo em que representa o direito à liberdade de crença, também escancara os limites da tolerância em um país ainda profundamente marcado pelo preconceito religioso.




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