Igreja de Lúcifer na via Dutra aguarda alvará para receber fiéis

No quilômetro 326 da Via Dutra, logo após deixar São Paulo rumo ao Rio de Janeiro, uma construção inusitada chama a atenção dos motoristas: uma pequena igreja pintada de preto, com detalhes em vermelho e cruzes invertidas. Ao lado, um bode preto de nome Zebu, por vezes visto na entrada, completa o cenário que desperta tanto curiosidade quanto controvérsia. Trata-se da primeira Igreja Luciferiana do Brasil, prestes a ser oficialmente inaugurada em Itatiaia (RJ).
O idealizador do templo é Jonathan de Oliveira Ribeiro, conhecido como Mestre Jonan, um empresário de 31 anos, natural de Volta Redonda. Dono de um Porsche e líder espiritual com mais de uma década de atuação, Jonan é praticante da quimbanda — tradição afro-brasileira voltada ao culto de exus. No terreno onde hoje ergue a igreja, ele já havia construído anteriormente uma espécie de castelo medieval, sede de seu terreiro.
A igreja ainda aguarda alvará de funcionamento, o que impede a realização de eventos públicos. O único culto realizado até o momento, em março deste ano, foi fechado e contou com a presença de discípulos e a celebração de um casamento. “Aqui não pode ter nenhum furo, nenhum mesmo”, diz Jonan, ciente de que a associação com Lúcifer gera desconfiança e atrai fiscalização redobrada. “É a ‘igreja do diabo’, como dizem por aí. Vão fazer de tudo para tentar derrubar.”
Contudo, ele refuta a ideia de que o templo tenha ligação com o mal. Segundo sua interpretação, Lúcifer representa a busca pelo conhecimento e a liberdade de pensamento — algo que, segundo ele, é combatido pelas religiões tradicionais. “Conhecimento demais atrapalha a manipulação direta do ser humano”, afirma. “O luciferianismo é justamente contra isso.”
Jonan defende que tudo, inclusive sentimentos negativos como ódio e traição, faz parte da criação divina. “Temos que vivenciar essas energias e nos tornarmos mais fortes, até estarmos prontos para nos sentar ao lado de Deus”, resume.
Com cerca de 4 milhões de seguidores nas redes sociais, onde realiza cultos online e oferece serviços espirituais a preços a partir de R$ 277, Mestre Jonan tornou-se uma figura conhecida no meio esotérico. Entre os frequentadores de seus rituais estão desde anônimos até figuras públicas, como jogadores de futebol e apresentadoras de TV, segundo relata.
Os rituais envolvem sacrifícios de animais como galinhas, patos, bodes e até bois — prática permitida pelo Supremo Tribunal Federal desde 2019, desde que sem crueldade. Os animais são abatidos com faca e têm partes utilizadas em oferendas ou transformadas em objetos rituais, como tambores. A carne, congelada, é consumida por membros da comunidade religiosa. “Há um jejum de carne por 45 dias antes do sacrifício, por respeito ao animal”, explica o mestre.
A prática, no entanto, ainda gera forte resistência. Jonan conta que precisa distribuir vales ao invés de alimentos diretamente à população carente, pois muitos recusam doações por associarem ao que chamam de “macumba”. Em outro episódio, foi acusado pela polícia de realizar sacrifícios humanos, e chegou a ser alvo de um ataque violento no templo. “Disseram que iam me matar. O agressor foi preso. Dizia ser cristão, mas cristão de verdade tem amor ao próximo.”
A estética provocativa do local, repleta de imagens de exus e figuras demoníacas, tem também uma função estratégica. “Essa história de mostrar o Satã é mais publicidade mesmo”, admite. “A igreja foi construída à beira da rodovia para impactar a psique de quem passa.”
Às margens da principal via que liga o Sudeste ao Sul do país, a igreja de Mestre Jonan é um retrato da pluralidade religiosa brasileira — ao mesmo tempo em que representa o direito à liberdade de crença, também escancara os limites da tolerância em um país ainda profundamente marcado pelo preconceito religioso.