Projetos brasileiros de redução de danos são elogiados, mas carecem de apoio público

Folha de São Paulo
Projetos brasileiros de redução de danos são elogiados, mas carecem de apoio público Espaço Normal, da Redes da Maré, no Rio de Janeiro, que é considerado referência sobre drogas e saúde mental - Gabi Lino/Divulgação

Em São Paulo, um robô orienta pessoas que utilizam drogas para intensificar o prazer sexual sobre práticas seguras. Já no Recife, mulheres usuárias de drogas em situação de rua encontram acolhimento em espaços exclusivos que oferecem escuta e acesso a serviços públicos. No Rio de Janeiro, um projeto tem se tornado referência nacional no tratamento de usuários de drogas e saúde mental em favelas.

Esses projetos de redução de danos, que foram elogiados na conferência internacional em Bogotá (Colômbia), enfrentam desafios relacionados ao financiamento público. No evento, o governo federal foi criticado por destinar recursos para comunidades terapêuticas (CTs), em vez de investir em iniciativas baseadas em evidências científicas. No dia 7 de maio, foi comemorado o Dia Internacional da Redução de Danos.

As CTs são entidades privadas focadas no tratamento de dependentes de álcool e outras drogas, mas não fazem parte do Sistema Único de Saúde (SUS) ou do Sistema Único de Assistência Social (SUAS). O método adotado por essas comunidades é baseado na abstinência, em terapias de trabalho não remunerado e em práticas religiosas, em lugar de terapias psicológicas.

O médico epidemiologista Fabio Mesquita, que teve papel de destaque no tratamento de pacientes com HIV em Santos e atuou por 12 anos na Organização Mundial da Saúde (OMS), expressou sua frustração ao ver que o financiamento público continua sendo destinado às CTs, apesar da falta de comprovação científica dos tratamentos oferecidos por essas instituições. "Esperávamos uma mudança com o governo Lula, mas isso não ocorreu. Enquanto isso, muitas ONGs pelo Brasil estão realizando ótimos trabalhos em redução de danos, sem apoio financeiro público", lamentou Mesquita, que foi um dos fundadores da Harm Reduction International, organização responsável pela conferência de Bogotá.

O orçamento destinado às comunidades terapêuticas também sofreu alterações. Em 2024, foram previstos R$ 56 milhões em emendas parlamentares para as CTs, mas em 2025, esse valor foi reduzido para R$ 177,7 milhões, o que representa uma queda de cerca de R$ 45,5 milhões, conforme dados do Plano Plurianual (PPA 2024-2027).

Ana Paula Guljor, coordenadora de programas sobre drogas, direitos humanos e saúde mental na Fiocruz, destacou que a formulação de políticas públicas que priorizem a redução de danos ainda é um grande desafio no Brasil. Ela acredita que o desinvestimento nessa área está ligado a questões ideológicas e políticas. "Experiências e evidências de diversos países demonstram que políticas de redução de danos são eficazes. Porém, a ideia de que a única solução é a internação continua muito presente na sociedade, um discurso que busca esconder o problema em vez de tratá-lo", explicou Ana Paula, também presidente da Associação Brasileira de Saúde Mental.

Priscila Gadelha, diretora de comunicação da Escola Livre de Redução de Danos, em Recife, ressaltou que a falta de financiamento público torna as ações de redução de danos pontuais e dependentes de recursos internacionais. Ela também destacou que a maior dificuldade enfrentada pelas iniciativas é a violência simbólica resultante do estigma contra usuários de drogas e aqueles que trabalham com redução de danos. "Nos tentam rotular como apologia ao uso de drogas, mas o que fazemos é promover educação, saúde e garantir direitos e cidadania", afirmou.

Na Escola Livre de Redução de Danos, mulheres cisgêneras, transgêneras e travestis, juntamente com seus filhos, têm acesso a atendimento exclusivo. No local, elas podem tomar banho, descansar, lavar roupas, participar de oficinas e receber encaminhamentos para serviços de saúde, quando necessário. Pesquisa realizada pela organização revelou que 73,5% das usuárias são cisgêneras, 80% são negras, 63% têm filhos e 67% vivem nas ruas. Além disso, 9,3% delas não conseguem tomar banho diariamente. Priscila destaca que muitas mulheres, antes excluídas de qualquer serviço público, agora conseguem se reconhecer como cidadãs, a partir da lógica de acolhimento oferecida pela escola.

Outro projeto brasileiro elogiado em Bogotá é o Superbot, um robô desenvolvido pelo Instituto Multiverso, que orienta sobre saúde mental, saúde sexual e redução de danos no contexto do "chemsex" (sexo aditivado). O robô foi criado para oferecer suporte em ambientes de festas, onde o uso de drogas para potencializar a experiência sexual é comum. A iniciativa busca não proibir o uso, mas orientar sobre como praticá-lo de forma mais segura, oferecendo informações sobre saúde, preservativos e até testes rápidos. Quando detecta situações de risco, o robô encaminha automaticamente o usuário a um profissional de saúde, como psicólogos ou psicanalistas, para atendimentos individuais.

No Rio de Janeiro, o Espaço Normal, desenvolvido pela Redes da Maré, se tornou uma referência em tratamentos relacionados a drogas e saúde mental em comunidades de favelas. O local oferece descanso, higiene pessoal, convivência e oficinas para usuários de drogas, além de encaminhamentos a serviços de saúde e assistência jurídica. Vanda Canuto, coordenadora do espaço, explicou que o objetivo do projeto é permitir que os usuários reconheçam os malefícios das drogas, mas sem impor a internação como única solução. "Trabalhamos a vinculação do sujeito, deixando-o livre para decidir o que fazer com sua vida", afirmou Vanda.

Uma das respostas mais recentes do governo federal foi a criação da rede CAIS (Centros de Acesso a Direitos e Inclusão Social), desenvolvida pelo Ministério da Justiça. Essa rede visa articular políticas públicas existentes e oferecer serviços de saúde, assistência social e justiça para pessoas afetadas pelo uso de drogas. Maria Angélica Comis, consultora da Secretaria Nacional de Política de Drogas, explicou que o projeto tem como objetivo reduzir as vulnerabilidades dessas pessoas, proporcionando-lhes acesso a serviços essenciais.












Uma das alternativas que está sendo considerada é encaminhar para essa rede pessoas flagradas com até 40 gramas de maconha ou seis plantas fêmeas, após a descriminalização do porte dessa quantidade pelo STF em junho de 2024.




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