Tribunais pagam R$ 4,5 bilhões acima do teto a juízes: Goiás é o segundo estado com maior salário no Judiciário

A Constituição Federal, em seu artigo 37, determina que a remuneração de servidores públicos não pode ultrapassar o valor pago mensalmente aos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). Essa regra visa limitar os chamados supersalários na administração pública. No entanto, tribunais estaduais de todo o Brasil têm sistematicamente burlado essa norma. Um levantamento da Transparência Brasil revela que pelo menos R$ 4,5 bilhões foram pagos a juízes e desembargadores acima do teto constitucional no último ano.
Esse valor pode ser ainda maior, pois os dados disponíveis estão incompletos e contêm erros nos registros oficiais dos tribunais, conforme indicam informações do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). A Transparência Brasil conseguiu analisar doze meses de contracheques de magistrados em 18 dos 27 tribunais estaduais em 2023. O teto do funcionalismo era de R$ 39,3 mil até março e subiu para R$ 41,6 mil em abril.
O CNJ, em resposta, afirmou que possíveis irregularidades no cumprimento do teto são investigadas pela Corregedoria Nacional de Justiça. A aplicação do teto, no entanto, é limitada ao salário base dos magistrados, sem incluir indenizações e benefícios, os quais elevam a remuneração de muitos juízes a patamares superiores aos dos ministros do STF.
Tribunais de cinco estados (Distrito Federal, Mato Grosso, Amapá, Pará e Paraíba) não divulgaram até três meses de salários, enquanto outros três (Ceará, Tocantins e Sergipe) apresentaram dados divergentes ao CNJ. O Judiciário do Piauí foi excluído por não publicar contracheques nominais. Ainda assim, o estudo aponta que todos os tribunais mapeados pagaram salários médios brutos acima do teto constitucional.
O Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul (TJMS) é o que paga os maiores salários extrateto, com média de R$ 85,7 mil. Já o Tribunal do Amazonas registrou o menor vencimento médio, de R$ 51 mil. O estudo também revelou que um em cada três magistrados recebeu, em média, mais de R$ 70 mil mensais, e 565 magistrados receberam valores superiores a R$ 100 mil.
O pesquisador Cristiano Pavini, autor do estudo, observou a existência de 2.600 rubricas orçamentárias no Judiciário que resultam em ganhos adicionais para os magistrados, conhecidos como “penduricalhos”. Pavini afirmou que esses recursos poderiam ser reinvestidos na ampliação do quadro de servidores, melhorando a eficiência do Judiciário.
A pesquisa analisou os holerites de 16.892 magistrados estaduais e constatou que 78 juízes e desembargadores receberam mais de R$ 1 milhão acima do teto constitucional em 2023. Apenas 3,3% dos magistrados analisados não tiveram ganhos extrateto no ano.
Esses "penduricalhos" têm origem em decisões e portarias que concedem benefícios adicionais, como indenizações e gratificações, muitas vezes defendidas pelas próprias carreiras públicas. O projeto de lei que busca acabar com os supersalários, aprovado pela Câmara dos Deputados, está parado no Senado desde 2021, possivelmente em razão do lobby de entidades representativas da magistratura.
O levantamento da Transparência Brasil destaca que o gasto com supersalários no Judiciário é maior do que o orçamento de 14 ministérios e poderia sustentar 555,5 mil famílias beneficiárias do Bolsa Família por um ano, demonstrando a dimensão do problema.