Rodrigo Zani
Da República dos Coronéis à Ditadura do Capital: A Faria Lima como herdeira dos latifúndios

O Brasil que conhecemos hoje nasceu da violência colonial: uma invasão europeia que massacrou povos originários e sequestrou milhões de africanos para o trabalho escravo. Desde o início, nossa estrutura social, econômica e política foi desenhada para servir a uma elite — primeiro portuguesa, depois brasileira — que concentrou riqueza, poder e terra em detrimento da maioria da população.
Nosso modelo econômico teve como base os latifúndios monocultores escravistas, organizados para exportar riqueza e importar poder. Ao longo do século XIX, esse modelo se modernizou sem romper com sua essência: uma elite econômica que dita os rumos da política. Quando o Império ruiu em 1889, não foi por um levante popular, mas por um pacto entre militares e latifundiários interessados em consolidar um novo arranjo de poder — mais lucrativo, mas ainda excludente.
A chamada República Velha (1889–1930) foi um sistema de poder revezado entre oligarquias estaduais, em especial São Paulo e Minas Gerais, que mantinham o controle político por meio do “voto de cabresto”, clientelismo e fraude eleitoral. A expressão “política do café com leite” resume bem o arranjo: os coronéis e barões do campo ditavam as regras, enquanto as instituições democráticas eram apenas uma encenação.
Hoje, mais de um século depois, o cenário mudou — mas nem tanto. Saíram os coronéis do campo, entraram os executivos do mercado financeiro. A Faria Lima, avenida símbolo do capitalismo financeiro no Brasil, exerce um papel político semelhante ao dos latifundiários da República Velha: influencia decisões do Executivo, pauta o Legislativo e captura setores do Judiciário. Por meio de fundos de investimento, lobby e mídia, os interesses do mercado financeiro moldam o debate público e impõem sua agenda, muitas vezes em choque com os interesses da maioria da população.
A comparação não é apenas retórica: como no passado, o poder político hoje continua dependendo da chancela de quem detém capital. Campanhas eleitorais são financiadas por grandes grupos econômicos, propostas legislativas são filtradas pelos interesses do mercado, e a política fiscal é desenhada para agradar credores em detrimento de investimentos sociais. A tecnocracia econômica da Faria Lima opera como uma aristocracia não eleita, com grande poder de veto sobre qualquer projeto nacional que implique redistribuição de renda, reforma tributária progressiva ou fortalecimento do Estado como agente do desenvolvimento.
Nos últimos anos, vimos projetos estratégicos sendo desmontados sob pretextos de austeridade e responsabilidade fiscal. O Brasil continua refém de uma lógica colonial: exportamos riquezas naturais e importamos ideias neoliberais. Enquanto isso, negligenciamos as bases da verdadeira soberania: educação de qualidade, segurança alimentar, inovação tecnológica e justiça social.
É urgente investir nas crianças, formar a consciência crítica da juventude e construir um projeto nacional de longo prazo. Sem isso, continuaremos como uma democracia relativa — uma democracia que só se realiza plenamente para os que sempre estiveram no topo da pirâmide.
O Brasil é uma potência adormecida, não por falta de recursos ou talento, mas por excesso de desigualdade e submissão aos interesses de uma minoria privilegiada. Precisamos nos libertar da herança colonial que se modernizou em ternos de grife e escritórios de vidro. O futuro do país depende da capacidade de reconhecer essa estrutura de poder e combatê-la com mobilização, consciência política e ação coletiva.